Folha de S. Paulo


Morte possível para os idiotas

SÃO PAULO - "Vai ter morte."

E vai mesmo, mas não (esperamos!) essa da ameaça feita por um táxi-sindicalista a motoristas de serviço on-line de carro particular.

O fim será o de patrimônios desnecessariamente desperdiçados.

O lisboeta em férias na Índia, por exemplo, já aluga a casa, de outra forma fechada, ao suíço que vai a Portugal. Em breve, minha tia Irma também emprestará seu Fusca vermelho a quem leva crianças a escolas rurais todas as terças e quintas, dias em que o carro não sai da garagem.

A principal morte, porém, será a do desperdício de tempo.

Hoje não ficamos mais na chuva à espera de um taxista que dormindo espera, ali no ponto da quadra ao lado. Amanhã não esperaremos mais clientes ou fornecedores, e quem só pode trabalhar duas noites por semana encontrará quem precisa contratar justamente nesse período.

Toda uma "reserva de capital" (móveis, imóveis, inteligência e trabalho) ainda inacessível será finalmente organizada e ficará eficientemente produtiva –para dar lucro, mas também para melhorar a vida.

A passagem é tortuosa e dolorida porque a chamada "economia do compartilhamento" propicia mercados improvisados, desregulados, informais. Evitam custos e tributos e por isso ameaçam a estrutura antiga, que lutará para enquadrá-los, até que a mudança cultural se imponha.

Quem sabe elimine também o desperdício dos poderes legítimos e possa então trazer o fim dos idiotas, no sentido grego da palavra (na língua grega não há tradução perfeita para "privacidade"; o mais perto disso, conta o escritor Nick Papandreou, é "idiotes", o "cidadão privado", no estado bruto e egoísta em que nasce).

A palavra descreve quem se recusa a tomar parte na vida pública –o que inclui, como se vê, muitos políticos.

Em uma nova "política do compartilhamento", necessidades, vontades e ação estariam enfim aproximadas, organizadas, otimizadas. Para tirar do mapa esses idiotas.

ana.estela@grupofolha.com.br


Endereço da página:

Links no texto: