Folha de S. Paulo


Mundo de Sofia

Sofia acaba de fazer 14 anos, mas ficou em dúvida sobre que presente pedir ao avô. Seria um Blackberry. Na aula de história, porém, aprendeu que "corporações induzem as pessoas a comprar coisas de que não precisam". Precisar, ela não precisa. Além disso, um vídeo na internet mostrou como o consumismo (logo, seu ex-futuro celular) esgota mais recursos naturais. Destrói o ambiente.
Até mesmo seus primos Gabriel e Arthur, de dois e três anos, sabem que isso é grave. Os dois mal aprenderam a falar, mas basta ouvirem "desperdício" para exclamarem: "É preciso salvar o planeta!". Exagero esquerdista das escolas "esclarecidas" de certa classe média? Nem tanto.
Numa das faculdades de negócios mais prestigiadas do Brasil, um professor de finanças instruía: "governança", "sustentabilidade", "gestão de pessoas" e "relações com consumidor" são perfumaria que as empresas só adotam sob coação; seu único objetivo legítimo é dar lucro.
Para melhor ilustrar o argumento, saiu-se com esta: "Por exemplo, se eu ganhasse para dar aulas sem ter alunos, seria muito mais feliz".
Não muito longe dali, na classe do nono ano, Sofia e seus colegas são convidados a tirar uma fotografia da desigualdade em São Paulo. Ela levou uns dias para perceber que a imagem estava bem na porta da sua casa, em Higienópolis (na região central da cidade).
Não é que não identifique a pobreza; ela só não se achava tão "rica" assim. Afinal, nos seriados de TV a que assiste, garotos da sua idade pegam jatinhos para passar um fim de semana em Paris.
Até ser estimulada a procurar as diferenças, Sofia se achava "normal" (mais ou menos o mesmo processo pelo qual muitos paulistanos julgam ser os únicos brasileiros a não ter sotaque).
Espantou-se também quando leu que nossos vizinhos eram contra o metrô, que traria "o povo" para as redondezas. Ela achava que o povo éramos todos nós.
Enquanto aprende que "no sistema capitalista alguns têm mais valor que outros", Sofia tenta entender o que é inflação. Disseram que é o aumento de preços, mas o chocolate do lanche custa a mesma coisa. Só o peso diminuiu 20% (a embalagem foi útil num exercício de matemática).
Neste final de semana, Sofia tem uma lição de casa: visitar "O Mundo Mágico de Escher" [As ilusões óticas do holandês M. C. Escher (1898-1972) estão em cartaz até 17 de julho no Centro Cultural Banco do Brasil: "[http://is.gd/YpZxx2"].
Até que vem a calhar. Uma vez contraposto às águas que escorrem para cima, às curvas que giram no infinito e às construções impossíveis, quem sabe esse estranho mundo que ela começa a perceber à sua volta passe a fazer algum sentido.


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