Folha de S. Paulo


A arte de não tropeçar nas pedras das calçadas do Rio

Rafael Andrade/Folhapress
A wave hits a 12 meters whale that was found dead is at Ipanema beach in Rio de Janeiro, Brazil, on November 15, 2017. / AFP PHOTO / Leo Correa ORG XMIT: AFP_7404
Calçadão de Ipanema

RIO DE JANEIRO - Depois da reportagem do "Globo" sobre o estado do calçadão da praia de Ipanema —um buraco a cada cinco passos—, lembrei do Álvaro, personagem do romance "Fim", de Fernanda Torres: "Morte lenta ao luso infame que inventou a calçada portuguesa. Maldito dom Manuel 1° e sua corja de tenentes Eusébios. Quadrados de pedregulho irregular socados à mão. À mão! É claro que ia soltar, ninguém reparou que ia soltar?".

Quando li a diatribe pela primeira vez, julguei meu xará algo exagerado. Talvez pelo fato de ser ele um idoso, aquele que mais sofre com o piso irregular. Mas não. É duro, para todos, andar nas calçadas do Rio. E o engraçado —ou triste— é que a manutenção de asfalto para carros é sempre prioridade. Por onde pisamos os pobres pedestres não tem importância.

O problema é uma herança dos tempos de dom João Charuto, e só cresceu: são 12 mil quilômetros de extensão de ruas na cidade e 1,2 milhão de metros quadrados de pedras portuguesas pelo caminho. E não se sabe como conservá-las. O ofício de calceteiro, com sua contribuição artística artesanal, está em extinção não só aqui como em Portugal. Hoje qualquer lambão contratado pela prefeitura junta as pedras de qualquer maneira. O bípede que se dane.

Ainda por cima —ou, melhor dizendo, por baixo— não existe padronização. Um pedaço de calçada de cimento, o seguinte de pedra portuguesa, mais adiante de placas de concreto. Em alguns logradouros históricos, ainda resiste o calçamento pé de moleque.

O atual prefeito tem uma nova proposta: padronizar tudo —cerca de 36 milhões de metros quadrados— com peças pré-moldadas de concreto intertravado. Se sair do papel, um negócio da China (mas pra quem?). Eu me dava por satisfeito com uma simples escola para calceteiros. Enquanto isso, vamos aos tropeções. Se segura, xará.


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