Folha de S. Paulo


O beletrismo salva Temer do 'paspalhês' de Trump

Adriano Machado/Reuters - Evan Vucci/Associated Press
Os presidentes Michel Temer e Donald Trump

RIO DE JANEIRO - Segundo o escritor americano Philip Roth, o vocabulário do presidente Donald Trump não passa de 77 palavras. Palavras que nem mesmo à língua inglesa pertencem; estariam mais próximas do "Jerkish", ou paspalhês, na feliz tradução de Sérgio Rodrigues em sua coluna de quinta (26) na Folha.

Foi um alívio saber disso, pois enfim podemos comemorar alguma coisa. O nosso presidente, aqui do lado de baixo do Equador, é dono de um vocabulário e uma linguagem (e não me refiro somente às mesóclises que marcaram seus primeiros pronunciamentos no cargo) muito mais elevados e sofisticados. Para ficar só em um único exemplo: ao comentar as críticas que sofre nas redes sociais, Temer disse que se sente "vergastado e chicoteado". Com tanto "panache", mesmo que não resolva os problemas do país, ele está com o caminho aberto à Academia Brasileira de Letras.

Não é só em comparação a Trump —este prefere as palavras simples, quase monossilábicas, usadas em frases curtas— que Temer sai ganhando em seu rebuscamento de homem cordato, fino palestrante e mestre do gestual. Perto de seus antecessores na Presidência, é um verdadeiro Ruy Barbosa, um legítimo Coelho Neto. A Lula faltava maior intimidade com o "português correto". Dilma afundou-se no "dilmês".

O beletrismo de Michel Temer o aproxima da figura irreprochável do Bodião de Escama, que vagava pelas ruas do velho Recife e era alvo do escárnio dos estudantes da Faculdade de Direito, que não entendiam seus discursos espirituosos e cheios de improviso. Dizia-se doutor em poesia e caprichava: "O sol é um botão de ouro pregado na casaca azul do firmamento".

Bodião de Escama granjeou fama, teve a honra de ser citado em crônica de Lima Barreto e, no auge de sua trajetória, virou marca de cigarro. Que presidente alcançou essa glória?


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