Folha de S. Paulo


Clarice, a estátua

RIO DE JANEIRO - É a Nova Idade do Bronze. Com o beneplácito da prefeitura, estátuas brotam nas calçadas do Rio como chuchu na cerca. A ideia é prestar homenagem a personalidades queridas, mas o resultado artístico é, na maioria das vezes, modernoso e duvidoso. Feioso, numa palavra.

E isso em uma cidade que já abriga a maior coleção de arte pública do Brasil: quase 600 obras, do pioneiro Mestre Valentim a artistas contemporâneos como José Resende. Em número de peças de estatuária francesa do século 19, o Rio só perde para Paris. Mas essas maravilhas parecem não interessar tanto àqueles que são fotografados ou se autofotografam ao lado de Drummond ou Caymmi na orla de Copacabana.

Depois de Tom Jobim e Tim Maia, a próxima vítima será Clarice Lispector. Ela vai surgir, no traço do escultor Edgar Duvivier, sentada num banco, de pernas cruzadas, tendo um livro no colo e ao lado do seu cachorrinho Ulisses. Possivelmente ficará fincada no Leme, bairro onde morou. Clarice gostava de tomar banho de mar, e há uma foto dela nas areias da praia, mostrando pernas esculturais –para ficarmos no tema.

Tudo bem, Clarice Lispector merece uma estátua. É um tributo mais honesto do que as frases a ela atribuídas nas redes sociais. Vamos torcer para que fique bonita.

Tenho uma sugestão de lugar menos óbvio que o Leme. O Jardim Botânico é palco de um dos melhores e mais conhecidos contos de Clarice, "Amor". É a história de Ana, casada, com filhos para criar, que tem um troço dentro de um bonde, grita e deixa cair um embrulho com ovos quando vê um cego que mascava chicletes. A personagem se refugia no parque e, entre as palmeiras da alameda central, tem início uma aventura de terror interior: "O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno". Que tal uma estátua gótica ou barroca?


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