Folha de S. Paulo


Saudades do trema

RIO DE JANEIRO - Em visita a Portugal na semana passada, o ministro Juca Ferreira (Cultura) disse que "talvez tenhamos errado no acordo ortográfico". É a primeira vez que, no primeiro escalão do governo, admite-se publicamente o desacordo.

Resta saber o que pensa a presidente Dilma Rousseff -se é que ela, na situação atual, tem lá tempo para perder com tais questiúnculas. O fato é que Dilma ainda não deu sua palavra, ou assinatura, final: em janeiro de 2013, um decreto adiou a entrada em vigor da lei, que passará a valer (ou não) a partir de 2016.

Na prática, as novas regras ortográficas já estão em circulação no Brasil desde 2010, quando o Ministério da Educação pôs a carroça à frente dos burros e distribuiu livros didáticos redigidos com base no acordo. Jornais e editoras haviam sido ainda mais afobados na hora de tirar o acento agudo de "ideia", o trema de "linguiça", e abolir o hífen de algumas palavras compostas.

No mínimo, uma precipitação, pois em Portugal, àquela época, havia resistência às mudanças, situação que não melhorou com o tempo. Lá, ao contrário do açodamento brasileiro, ainda acontece um debate na sociedade. É o que pretende fazer aqui o ministro Juca, com "um grande encontro sobre a língua portuguesa", no qual os protagonistas serão os criadores e não os legisladores ou os acadêmicos. "O fortalecimento da língua tem nos criadores o epicentro", declarou ele ao jornal "Público".

Em 2008, ao publicar a obra-prima "Pornopopéia", o escritor Reinaldo Moraes já tinha dado a letra certa: fez com que a primeira edição do romance seguisse, a começar pelo título, as regras anteriores à reforma.

O triste é que, enquanto isso, nossos alunos em fase de alfabetização seguem aprendendo segundo o acordo, e amanhã podem ter de desaprender tudo. Fora o mico.


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