Folha de S. Paulo


Assumir erros não degrada os brasileiros

Bater no Brasil tem sido um dos esportes praticados pela imprensa norte-americana que cobre as Olimpíadas. Em julho, um mês antes do início dos jogos, o New York Times decretava: " Rio-2016 já é uma catástrofe."

A cerimônia de abertura surpreendeu e ajudou a mitigar um pouco essa noção. Salvo um ou outro contratempo resolvível, os jogos pareciam correr sob controle, em relativa normalidade. Recentemente, porém, as piscinas que mudaram de cor e o assalto a um dos mais ilustres nadadores dos EUA parecem ter revertido essa tendência.

Kai Pfaffenbach/Reuters
Piscinas no Parque Aquático Maria Lenk aparecem com as águas verdes na última quarta-feira (10)
Piscinas no Parque Aquático Maria Lenk aparecem com as águas verdes na última quarta-feira (10)

Nesta segunda, 15/08, Roger Cohen, um dos mais respeitados colunistas do "New York Times", chamou a atenção para a armadilha do negativismo fácil, em que tantos jornalistas norte-americanos que cobrem os jogos têm caído.

Sobrou até para o coitado do biscoito Globo, que foi equiparado pelo jornal a um "Cheetos sem queijo". Compreende-se o movimento. Afinal, é sempre mais cômodo ir com a manada e escrever o que todo mundo está escrevendo. Falar sobre o óbvio dá menos trabalho.

Chamada - Rio 2016

Trinta anos atrás, Cohen foi correspondente no Brasil. Viveu aqui nos tempos da hiperinflação. Para ele, desde os anos 1980, o país fez avanços notáveis em termos sociais e econômicos. Ver os Jogos Olímpicos se realizarem no Rio é, segundo Cohen, " revigorante".

Não há que se esquecer de que a Rio-2016 se realiza em um país com dificuldades estruturais e conjunturais. O Brasil não deixa de ser Brasil porque sedia os jogos olímpicos. Haverá falhas —porque sempre há falhas. O importante, porém, é o que a gente faz com essas falhas.

Na tão elogiada cerimônia de abertura, tentamos mostrar em imagens nossos problemas sociais. Falamos de educação, de meio ambiente e violência urbana. Na realidade, esses problemas estão aqui: na piscina verde, nas águas poluídas da baía, no assalto à mão armada.

Todo brasileiro quer superar esses problemas. Mas, para isso, precisamos antes admiti-los. Como resolver um problema que a gente não reconhece?

Persiste entre nós certa vergonha em assumir erros, como se isso fosse degradante. O que é degradante é seguir cometendo os mesmos erros, não reconhecer possibilidades, acomodarmo-nos. É pensar que um "desculpe qualquer coisa" e um sorriso resolvem.

Quando dificuldades aparecem, como no caso da Rio-2016, não adianta tentar fazer graça e dizer que "a química não é uma ciência exata", ou que a segurança na cidade do Rio de Janeiro é "excelente". Qualquer pessoa sensata sabe que isso é realismo mágico.

Pergunte ao nadador assaltado o que ele acha de haver sido exceção à "excelente segurança." Pergunte aos esportistas brasileiros como se sentem ao ver uma piscina olímpica turva nos jogos que sediam.

O "desculpe qualquer coisa" ou a piadinha bem humorada para descontrair não resolvem problemas. São pedidos de licença para a indolência, para que ninguém tenha de melhorar.

E não me venham dizer que sua mãe foi assaltada em Barcelona ou que bateram a carteira de sua prima no metrô de Paris, como se isso abonasse o que ocorre aqui. Nós e as estatísticas sabemos que não é a mesma coisa.

Somos um país em desenvolvimento. É errando que a gente acerta, mas tem de prestar atenção. Não reconhecer o erro é não aproveitar a experiência.


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