Folha de S. Paulo


Os haitianos estão chegando

Na escola em que eu estudei em São Paulo, éramos 5.000 alunos. Se estudassem conosco, os imigrantes haitianos que chegaram à cidade desde abril vindos do Acre corresponderiam à sétima parte dos meus colegas. Parece muita gente quando se pensa na lista de convidados para uma festa de aniversário. Para uma cidade do tamanho de São Paulo, porém, é só um sétimo dos alunos de um colégio.

Ao ver centenas de haitianos chegando nas últimas semanas, o governo paulista se alarmou. Queixou-se do governo do Acre. Queria ter recebido aviso de que aqueles estrangeiros, pobres e pretos, desembarcariam na cidade. Não sei qual teria sido a reação a imigrantes loiros e de olhos azuis. Mas São Paulo tem razão em querer saber: terá de dar apoio aos que vêm e aos que virão.

O Acre recebe, desde 2010, fluxo constante de imigrantes haitianos. Em 2013, o volume desse fluxo triplicou. Por Brasileia –de cerca de 21 mil habitantes–e Epitaciolândia –de cerca de 15 mil– já passaram mais de 20 mil pessoas vindas do Haiti. No começo de abril, o governo acriano declarou emergência nas duas cidades. Alegou não ter condições de abrigar os imigrantes e pediu mais apoio federal.

Pela reação do governo do Acre, que fechou abrigos e facilitou a vinda dos imigrantes para São Paulo, apoio federal suficiente não veio. Virá para São Paulo?

Quando as autoridades federais resolveram conceder vistos humanitários aos haitianos que chegavam, esqueceram de calcular o tamanho da festa. Provavelmente, não lhes ocorreu que receber imigrantes em situação de vulnerabilidade exige planejamento abrangente e políticas públicas responsáveis. É como pôr filhos no mundo: tem de cuidar e prover até que possam se manter sozinhos. Do contrário, dá errado.

Nessa tarefa, coordenação entre os diferentes níveis de governo é imprescindível. Tal coordenação, porém, parece não ter acontecido entre Brasília e as autoridades estaduais e municipais envolvidas no caso. São Paulo e Acre não precisariam ter criado esse desgaste se o governo federal tivesse feito sua parte. Bastava conversar.

O governo poderá dizer que foi surpreendido, mas só é surpreendido quem não planeja bem.

Na semana passada, as autoridades federais suspenderam o limite para a concessão de vistos humanitários a cidadãos haitianos. Agora, teoricamente, todos os que quiserem poderão solicitá-los. O fluxo de imigrantes vai aumentar. Espera-se que as políticas públicas para lidar com a questão também.

Receber os haitianos é uma decisão acertada. Os que chegaram aqui têm coragem e determinação para buscar uma vida melhor. Isso tem valor. Estão dispostos a trabalhar. Enriquecem o Brasil. No entanto, para que seu potencial se realize, precisam de políticas e proteção específicas. A ideia é integrá-los, não marginalizá-los.

(Ah! E para quem quer que eles continuem no Acre, dois lembretes: 1) eles foram admitidos no BRASIL; 2) ninguém merece escapar do Haiti para acabar em um alojamento lotado em Epitaciolândia, certo?)

ALEXANDRE VIDAL PORTO é escritor e diplomata. Este artigo reflete apenas as opiniões do autor


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