Cresci com a imagem de que, na Índia, as pessoas eram pacíficas e tolerantes. Um país de gurus, com povo espiritualizado, que não matava vacas nem cometia crimes. Provavelmente, compus esse estereótipo por causa de Gandhi, dos iogues e do retiro indiano dos Beatles.
Foi só no final da adolescência que me dei conta de que a Índia era um país mais complexo que isso. A Índia –a exemplo de várias outras democracias, como a nossa própria– é cenário de graves violações de direitos humanos. A situação da mulher é difícil, e o antigo sistema de castas cria dificuldades adicionais. Embora tenha havido algum progresso, na semana passada a Índia retrocedeu feiamente.
A Suprema Corte Indiana criminalizou os atos homossexuais no país. Simples assim. Não se sabe quanto tempo essa decisão judicial levará para ser revertida. Sem dúvida, será. Mas, em um país como a Índia, é esdrúxulo e preocupante que se tome uma decisão como essa, que torna ilegal um direito individual tão básico como a expressão física do amor e do sentimento.
Há alguns meses, a Rússia tinha feito coisa análoga, ao proibir a expressão da homossexualidade. Autoridades, artistas e atletas de vários países comprometidos com a proteção dos direitos humanos manifestaram-se contra a medida.
Apesar dos protestos, a repressão continua. Para quem quiser vê-la, há, na internet, uma extensa coleção de imagens de homossexuais russos sendo brutalizados.
Nesta semana, o Brasil se aproximou dessa turma. Nosso Congresso inviabilizou o exame do PLC 122, projeto que criminalizava a homofobia. A base governista, que enche a boca para falar de democracia, ficou do lado do fundamentalismo religioso. Deixou os gays à míngua.
O nível de qualidade de uma democracia está vinculado à proteção dos direitos das minorias. Democracia só é boa quando respeita quem é diferente.
Ao longo da história, os homossexuais estiveram entre os grupos mais vulneráveis aos crimes de ódio. Foi assim na Inquisição espanhola e na Alemanha nazista, que, juntas, mandaram para as fogueiras e campos de concentração centenas de milhares de homossexuais.
Se quisermos ter uma democracia de verdade, os direitos dos LGBT devem ser garantidos e ampliados. A intolerância contra as minorias sexuais com base em argumentos religiosos é totalitária. O homossexual e o religioso têm igual direito a respeito e proteção. A defesa de princípios religiosos pode constituir doutrina de fé, mas não ataque ou discurso de ódio. Nos países em que a proteção aos homossexuais mais progrediu, o ativismo contou com apoio claro de seus presidentes.
Nelson Mandela, Cristina Kirchner e Barack Obama, entre outros, embora sujeitos a pressões políticas fundamentalistas e ao escrutínio das urnas, tiveram a grandeza e a coragem de emprestar apoio pessoal a uma minoria que, injusta e ilegalmente, sofre violência física e psicológica todos os dias. Como brasileiro, eu gostaria que minha presidenta fizesse o mesmo.
Seria um bom presente de Natal.
ALEXANDRE VIDAL PORTO é escritor e diplomata. Este artigo reflete apenas as opiniões do autor.