Folha de S. Paulo


Brasileiros conseguem reverter a direção do tempo em experimento

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Sequência invertida das fotos "Derrubando um Vaso da Dinastia Han", do artista e ativista Ai Weiwei

O leitor já deve ter percebido. Os fenômenos que observamos no dia a dia têm, todos, uma direção preferencial para ocorrer. Xícaras que se partem ao cair no chão não juntam seus cacos novamente; ovos quebrados não retornam para a casca; o calor sempre flui dos corpos mais quentes para os mais frios. O físico Arthur Eddington (1882-1944) denominou essa assimetria fundamental de seta do tempo.

Entretanto, no mundo quântico, das partículas subatômicas, as coisas podem funcionar de outro modo. Pesquisadores brasileiros acabam de realizar um experimento em que conseguiram, pela primeira vez, reverter essa direção e fazer o calor fluir de um sistema mais frio para um mais quente. Embora a pesquisa não tenha aplicação imediata, ela abre as portas para avanços na área de computação quântica.

A explicação usual para o fato de os processos macroscópicos ocorrerem em uma única direção é a segunda lei da termodinâmica. Ela estabelece que, em um sistema fechado, a desordem –ou entropia– sempre irá aumentar.

Criada nas últimas décadas do século 19, a termodinâmica é a teoria da física que nos diz quais são os processos que provavelmente vão acontecer em dado sistema e quais são os processos que ou nunca vão ocorrer ou são altamente improváveis, como converter 100% da energia térmica de um motor em energia mecânica -a operação sempre dissipa energia.

EXPERIMENTO

No experimento, conduzido também por pesquisadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e de universidades de Singapura, Alemanha e Reino Unido, os cientistas utilizaram moléculas de clorofórmio dissolvidas em acetona. O clorofórmio (CHCl3) é formado por um átomo de carbono, um de hidrogênio e três de cloro.

O passo fundamental para a reversão da seta do tempo é a chamada correlação quântica. Nesse estado, as partículas ficam ligadas de maneira que, quando você define o estado de uma delas, o da outra fica relacionado à primeira.

Intuitivamente, é como se tivéssemos duas moedas ligadas por uma haste fixa. Assim, quando esse aparato for atirado para o ar, se a primeira moeda der coroa, o mesmo acontecerá com a outra.

Utilizando uma técnica chamada ressonância magnética nuclear e sinais de rádio, os pesquisadores conseguiram manipular as moléculas de modo que os átomos de hidrogênio e de carbono ficassem com temperaturas diferentes.

Quando as duas partículas não estavam correlacionadas, o calor fluiu, como esperado, do átomo mais quente para o mais frio. No momento em que correlação foi estabelecida, no entanto, o calor seguiu pelo caminho oposto, deixando a partícula quente mais quente e a partícula fria mais fria. O efeito, como tudo no mundo quântico, foi extremamente rápido –durou alguns microssegundos.

Roberto Serra, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e um dos autores do trabalho, explica que o resultado, embora contraintuitivo, não viola as leis da física. "A segunda lei da termodinâmica foi feita para sistemas não correlacionados", diz.

O resultado, porém, mostra que "a seta do tempo é algo relativo e que depende das condições iniciais", afirma Kaonan Micadei, aluno de doutorado da UFABC e outro dos autores do estudo. No artigo, submetido recentemente para publicação numa revista especializada, o grupo apresenta justamente uma generalização da segunda lei da termodinâmica, que leva em conta estados correlacionados.

TECNOLOGIA QUÂNTICA

As pesquisas do grupo se inserem dentro de uma área de estudos nova chamada termodinâmica quântica, a qual está intimamente relacionada com as fronteiras atuais da tecnologia e da computação quântica. "A termodinâmica tradicional não é a ferramenta adequada para entender os limites dessa nova tecnologia, que vem sendo chamada de tecnologia quântica, baseada em dispositivos muito pequenos, com poucos átomos e moléculas, onde você usa nanotecnologia e as flutuações de energia são importantes", diz Serra.

Segundo o pesquisador da UFABC, há uma relação fundamental entre informação e termodinâmica, já que informação precisa de um objeto físico para ser codificada e processada. Para se apagar uma informação, despende-se um mínimo de energia, ou seja, aumenta-se a desordem ou entropia.

"Do mesmo modo que a termodinâmica nos diz o limite dos computadores convencionais, imaginamos que a termodinâmica quântica ditará os limites dos computadores quânticos", completa Serra.

Assim, as descobertas que vêm sendo feitas nessa área, espera-se, poderão em breve ser utilizadas para novos desenvolvimentos tecnológicos.

De acordo com Serra, a propriedade observada pela equipe brasileira poderia ser utilizado dentro de num processador quântico, por exemplo, para transferir calor de uma parte a outra do artefato.

Editoria de Arte/Folhapress

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