Folha de S. Paulo


Da ciência política à economia, autor amplia alcance da teoria darwinista

Hulton Archive/Getty Images
O naturalista britânico Charles Darwin
O naturalista britânico Charles Darwin

Nada na biologia faz sentido sem a ajuda da teoria da evolução. Da diversidade de espécies na Era dos Dinossauros às variações da cor de pele entre humanos, tudo o que diz respeito ao funcionamento da vida pode ser iluminado pelas ideias do naturalista britânico Charles Darwin –e a validade de suas teses do século 19 tem se estendido cada vez mais para outros ramos do conhecimento.

A ampliação do poder explicativo da teoria é o tema de "Amor à Ciência: Ensaios sobre o Materialismo Darwiniano", novo livro do economista José Eli da Veiga, 69, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP.

Veiga, especialista em desenvolvimento sustentável, traça a genealogia intelectual do darwinismo e transita por ciência política, neurociência e mecânica quântica (além de economia) para explicar como a "maior ideia que um ser humano já teve" (segundo a memorável expressão do filósofo Daniel Dennett) ultrapassou as fronteiras da biologia.

Parece muita coisa para um livro de 146 páginas, mas uma virtude da obra é a capacidade de destilar uma espécie de "darwinismo concentrado" em poucos parágrafos, aos quais o leitor sempre pode voltar quando precisar de uma base sólida.

Tomando de empréstimo as reflexões teóricas do ornitólogo e historiador da ciência Ernst Mayr (1904-2005), o autor mostra que a teoria da evolução, conforme formulada em "A Origem das Espécies" (publicada em 1859 e ampliada ao longo dos 150 anos seguintes), na verdade é um nexo que une cinco teorias, da ascendência comum de todos os seres vivos ao gradualismo que caracteriza a diversificação das espécies.

Praticamente não existem desafiantes sérios à validade desses cinco pilares.

PLURALISMO

Para muitos biólogos "ortodoxos", a seleção natural estaria restrita apenas ao sucesso reprodutivo dos indivíduos –combate no qual quem tem mais descendentes ganha–, e o único processo gerador de novidades evolutivas seria o aparecimento e espalhamento de novos genes. Nesse caso, chegou-se a definir evolução como simples "mudança de frequência de genes em populações".

Tem havido mudanças significativas nesse cenário, embora elas ainda estejam longe de convencer a maioria dos cientistas, e Veiga acerta ao mostrar que essa visão mais plural dos processos evolutivos já estava presente nos trabalhos originais de Darwin.

Pouca gente sabe que ele era "lamarckista", ou seja, acreditava na capacidade de transmissão aos descendentes de características adquiridas ao longo da vida –ideia popularizada pelo francês Jean-Baptiste Lamarck.

Além disso, em seu trabalho pioneiro "The Descent of Man" ("A Ascendência do Homem"), Darwin propôs que a seleção natural poderia favorecer características como o altruísmo e a moralidade por meio do efeito positivo que elas teriam sobre grupos humanos vistos em conjunto, e não sobre indivíduos.

Ambas as ideias andam sendo retomadas por pesquisadores, ainda que não haja um consenso sobre a relevância desses mecanismos para o quadro geral da evolução.

Seja como for, está cada vez mais claro que não faz sentido pensar fenômenos humanos –da estrutura das mentes às interações sociais e políticas– sem levar em conta o arcabouço teórico e empírico formulado por Darwin e seus sucessores.

Quando grupos sociais são estudados como unidades sob a ação de pressões evolutivas, com suas estratégias formuladas como adaptações equivalentes às biológicas, o potencial generalizador do enfoque darwinista se fortalece.

No livro não há menção aos debates entre darwinismo e uma visão exclusivamente culturalista do ser humano. Mais uma vez, o que está claro é que uma visão segundo a qual a cultura é o fator único ou dominante na criação de comportamentos humanos não se sustenta.

Amor à Ciência - Ensaios Sobre o Materialismo Darwiniano
José Eli da Veiga
l
Comprar

Há uma interação de mão dupla entre biologia e cultura, mas que não teria como se estabelecer sem as bases lançadas pela história evolutiva que nos liga aos grandes símios africanos e ao resto das formas de vida da Terra.

*

Amor à Ciência: Ensaios sobre o Materialismo Darwiniano

Autor José Eli da Veiga
Editora Senac São Paulo
Quanto R$ 59 (146 págs.)


Endereço da página:

Links no texto: