A situação pode ser definida como um caso clássico de encontro entre oferta e procura.
Universidades, faculdades e até mesmo faculdades locais de licenciatura curta insistem em que seus professores publiquem pesquisas acadêmicas, e quanto mais publicarem, melhor. Os acadêmicos, e as instituições em que eles lecionam, dependem dessas publicações para solidificar suas reputações e, dado o excedente de portadores de doutorado em busca de empregos nesse mercado, carreiras dependem disso.
A competição por espaço nas publicações acadêmicas mais importantes é feroz. O que acontece, assim, com os esforçados professores de universidades menos prestigiosas e faculdades locais, desprovidas de grandes orçamentos e de laboratórios de pesquisa avançados? Como eles se viram?
A resposta é que muitos de seus artigos estão sendo publicados por "revistas" acadêmicas que aceitam praticamente qualquer coisa para publicação, por preços que podem chegar às centenas de dólares por texto. Essas publicações são definidas por muita gente como "revistas predadoras", sob a suposição de que acadêmicos bem intencionados são iludidos e levados a publicar seus trabalhos nelas - enganados por e-mails lisonjeiros enviados pelas publicações ou por nomes semelhantes aos de publicações respeitáveis que eles conhecem.
Mas está se tornando cada vez mais claro que muitos acadêmicos sabem exatamente o que estão fazendo, o que explica a proliferação desse tipo de publicação apesar das críticas generalizadas que elas recebem. Alguns especialistas afirmam que o relacionamento não deveria ser comparado ao que existe entre predador e presa, mas sim a uma nova e feia simbiose.
Muitos professores universitários - especialmente em instituições nas quais as horas de ensino são longas e os recursos escassos - se tornaram participantes ávidos de algo que os especialistas definem como fraude acadêmica, e o processo causa desperdício de dinheiro dos contribuintes, mina a credibilidade científica e serve para turvar pesquisas importantes.
"Quando centenas de milhares de artigos são publicados por revistas predadoras, é preciso ser muito crédulo para imaginar que todos os autores e as universidades para as quais eles trabalham são vítimas", escreveu Derek Pyne, professor de Economia na Universidade Thompson Rivers, no Canadá, em artigo publicado pelo jornal canadense "Ottawa Citizen".
O número dessas publicações disparou a mais de 10 mil nos últimos anos, e as revistas predadoras agora existem em número tão grande quanto o de revistas acadêmicas legítimas. "A publicação predatória se tornou uma indústria organizada", escreveu um grupo de críticos da prática em artigo publicado pela revista "Nature".
Muitas dessas publicações têm nomes muito parecidos com os de revistas acadêmicas estabelecidas, o que torna fácil confundi-las. Há um "Journal of Economics and Finance" publicado pela Springer, uma grande editora do ramo acadêmico, mas agora também existe um"Journal of Finance and Economics". Há o "Journal of Engineering Technology", publicado pela Sociedade Americana de Educação para a Engenharia, mas também o "GSTF Journal of Engineering Technology".
As publicações predatórias têm poucas despesas, porque não revisam seriamente os artigos que lhes são submetidos, e os publicam online. Elas disparam e-mails em massa a acadêmicos, convidando-os a publicar. E costumam alardear em seus sites que constam do índice do serviço Google Scholar, que compila publicações acadêmicas. Isso às vezes procede, mas o Google Scholar não verifica as credenciais das publicações indexadas.
As publicações também permitem a operação de um ecossistema mais amplo de pseudociência. Para um acadêmico que deseje acrescentar credenciais ao seu currículo, por exemplo, as editoras responsáveis por essas publicações também promovem eventos nos quais o acadêmico pode ser listado como palestrante –quer participe do evento, quer não–, por honorários salgados da ordem de centenas de dólares.
Um desses eventos, realizado em Nova York em junho por uma organização chamada Academia Mundial de Ciência, Engenharia e Tecnologia, parecia ser pouco mais que uma fachada. No site da editora responsável, a convenção prometia ser grande e suntuosa.
Mas quando compareci, o único local em que estava sendo realizada era uma pequena sala sem janelas no sexto andar de um hotel em reforma. Alguns poucos espectadores estavam presentes, e ouviam diligentemente uma palestra. A maioria dos acadêmicos que o programa do evento listava como participantes não estava presente.
Participar de empreitadas dúbias como essas acarreta poucos riscos. O Dr. Pyne, que fez um estudo sobre as publicações de seus colegas, reporta que membros do corpo docente de sua universidade promovidos no ano passado tinham pelo menos quatro artigos publicados em revistas questionáveis. Nove dos 10 acadêmicos que receberam bolsas de pesquisa da escola de economia e negócios da Universidade Thompson Rivers haviam publicado artigos nesse tipo de revista. Um deles tinha 10 artigos publicados em revistas como essas.
O Dr. Pyne concluiu que acadêmicos terminam recompensados por promoções, ao inflar seus currículos com artigos como esses. Não há muitas, se alguma, consequências adversas –de fato, as recompensas por publicar artigos em revistas predadoras podem ser consideradas como maiores do que as de publicar um artigo em uma revista legítima.
O Dr. Pyne não sabe que papel esse tipo de estudo desempenha nas decisões sobre promoções. Mas, disse, "posso afirmar que esse tipo de publicação não prejudica as possibilidades de promoção de um estudioso".
As tensões quanto a esse tipo de trabalho acadêmico explodiram no Queensborough Community College, que é parte da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY).
Ainda que a instituição não seja conhecida por sua pesquisa, os administradores do Queensborough College insistem junto aos professores da faculdade que oferece cursos de licenciatura curta para que eles publiquem. Recentemente, um grupo de professores preocupados com a qualidade das pesquisas se queixou de que quase uma dúzia de colegas haviam publicado artigos repetidamente em pelo menos uma das revistas acadêmicas dúbias - e que eles haviam sido promovidos e recompensados por isso.
Apontando que diversos desses estudos aparentemente dependiam de verbas do governo federal e do governo municipal, os professores levaram o caso ao vice-reitor de pesquisa da instituição e alertaram a inspetoria estadual de Nova York para o que estava acontecendo.
A instituição encarregou sua bibliotecária, Jeanne Galvin, de responder a perguntas sobre o caso.
"Da mesma forma que muitos outros colegas, os membros do corpo docente submetem seus trabalhos para publicação em diversas revistas, com base em seus critérios pessoais", ela afirmou em e-mail. "O Queensborough oferece diversos recursos consultivos, tais como oficinas e sessões individuais de aconselhamento com bibliotecários especializados. As pesquisas publicadas por nosso corpo docente que eu li são da mais alta qualidade".
Há quem diga que boa parte da culpa pela ascensão das publicações predatórias cabe ao sistema acadêmico, que exige publicações até mesmo dos professores de instituições sem recursos reais de pesquisa, e que dispõem de pouco tempo de sobra para qualquer outra coisa que não lecionar.
No Queensborough, os professores tipicamente lecionam nove cursos por ano. Nas faculdades que oferecem cursos de quatro anos, os professores lecionam de quatro a seis cursos por ano.
Mas "todas as universidades requerem determinado número de artigos publicados", disse Lawrence DiPaolo, vice-presidente de assuntos acadêmicos da Neumann University, em Aston, Pensilvânia.
Recentemente, um grupo de pesquisadores inventou uma falsa acadêmica, a Dra. Anna O. Szust. A palavra "Szust" quer dizer "fraudadora", em polonês. A Dra Szust enviou seu currículo a publicações acadêmicas legítimas e predatórias, solicitando um posto como editora. O currículo incluía publicações e diplomas completamente falsos, assim como eram falsos os nomes das editoras de livros para os quais ela afirmava ter contribuído.
As publicações legítimas rejeitaram sua candidatura imediatamente. Mas 48 das 360 publicações predatórias a aceitaram como editora. Quatro delas fizeram de Szust sua editora chefe. Uma das publicações lhe enviou um e-mail dizendo que "é um prazer para nós adicionar seu nome ao expediente da revista como editora chefe, sem quaisquer responsabilidades".
A pesquisadora que liderou a operação da Dra. Fraude, Katarzyna Pisanski, psicóloga da Universidade de Sussex, na Inglaterra, disse que a questão do que motiva as pessoas a publicar em revistas como essas é "um assunto delicado".
"Se você foi iludido por uma mensagem de spam, dificilmente vai querer admitir o fato, e se você publicou trabalhos deliberadamente [nessas revistas] para elevar o número de trabalhos publicados, talvez tampouco deseje admiti-lo", ela afirmou em e-mail.
As consequências de participar podem ser bem mais sérias do que apenas um currículo maculado por artigos e eventos acadêmicos de baixa qualidade. Os artigos publicados se tornam parte da literatura científica.
Existem indicações de que algumas instituições acadêmicas estão começando a levar em conta os perigos.
Dewayne Fox, professor associado de estudos da pesca na Universidade Estadual do Delaware, é parte de um comitê que revisa os currículos de candidatos a emprego em sua instituição. Um candidato recente, ele recordou, mencionou 50 artigos publicados por revistas desse tipo, e faz parte do conselho editorial de algumas delas.
Alguns anos atrás, ele disse, ninguém teria percebido. Mas agora, ele e outros integrantes de comitês de seleção em sua universidade começaram a esquadrinhar essas publicações com mais atenção, para determinar se são legítimas.
"Se algo for publicado por uma dessas revistas, e se o artigo for um completo lixo, a publicação pode levá-lo a ganhar vida própria", disse o Dr. Fox.
"Pense sobre a medicina humana, e sobre tudo que está em jogo. Quando as pessoas publicam alguma coisa não replicável, isso pode ter impacto sobre a saúde", ele afirmou.
Tradução de PAULO MIGLIACCI