Folha de S. Paulo


Idade faz com que pais transmitam mais mutações aos filhos do que mães

Juan Gaertner/Shutterstock
Cada ano do homem significa 1,51 nova mutação no esperma, quatro vezes mais que nas mulheres
Cada ano do homem significa 1,51 nova mutação no esperma, quatro vezes mais que nas mulheres

Homens são capazes de gerar filhos em qualquer momento da vida, ao contrário das mulheres, mas essa vantagem reprodutiva tem um preço: mutações no DNA dos bebês. Quanto mais velho o pai, maior a chance de que ele transmita alterações no genoma a seus descendentes, indica um estudo islandês.

Isso, a rigor, também vale para as mães, mas o papel masculino no acúmulo de novas mutações é cerca de quatro vezes o feminino, afirmam os pesquisadores liderados por Kari Stefansson, presidente da deCODE, uma das principais empresas de análise genômica do mundo.

Os cálculos da equipe indicam que, em média, para cada ano transcorrido da vida de um homem, ele acumula 1,51 nova mutação em seus espermatozoides. Mulheres, por outro lado, acumulam apenas 0,37 mutação por ano de vida em seus óvulos.

Essas mutações "de novo", como os cientistas costumam chamá-las, são as que estão presentes nas células sexuais e, portanto, são passadas para uma nova geração de seres humanos –o DNA de outros tipos de células também sofre alterações com frequência, mas ele não é transmitido para os descendentes.

"As mutações 'de novo' são parte importante do substrato da evolução, porque lançam constantemente novas versões do genoma humano no ambiente", explicou Stefansson em comunicado oficial.

"No entanto, acredita-se que elas também sejam responsáveis pela maioria dos casos de doenças raras da infância. Mapeá-las, portanto, é uma contribuição importante para o diagnósticos desses problemas."

Os dados estão em artigo na revista científica "Nature".

ELEGANTE E ESPERADO

"É um trabalho elegante, mas não deveria ser uma grande surpresa", diz Allan Pacey, professor de andrologia da Universidade de Sheffield (Reino Unido). "Sabemos há muitos anos que o risco de ter filhos com problemas médicos de origem genética aumenta consideravelmente com uma idade paterna mais avançada."

É por isso que a atual legislação britânica, por exemplo, estabelece um limite de idade de 40 anos para doadores de esperma. "Os resultados reforçam a necessidade de encorajarmos homens e mulheres a terem seus filhos quando ainda são jovens, se possível."

Problemas de espermatozoide idoso

Para o estudo na "Nature", os pesquisadores tiraram partido da queda vertiginosa nos preços do sequenciamento ("soletração") do DNA durante os últimos anos. Isso lhes permitiu analisar o genoma inteiro –ou seja, cerca de 3 bilhões de pares de "letras" químicas por pessoa– de mais de 1.500 islandeses, que foi comparado aos genomas dos pais dessas pessoas.

Para completar o cenário, eles também analisaram o DNA de pelo menos um dos filhos de 225 dessas pessoas, o que permitiu traçar o retrato genético de três gerações.

Dessa massa de dados vieram 108 mil mutações "de novo", a maioria das quais pertence à categoria de SNPs (pronuncia-se "snips"; a sigla quer dizer "polimorfismos de nucleotídeo único", ou seja, trocas de uma única letra de DNA, como um C que vira G). Também foram mapeados os "indels" (inserções e deleções, quando um pedaço de DNA é inserido no genoma ou apagado).

A maior "culpa" paterna nesse bolo não é difícil de entender. O organismo masculino produz espermatozoides em ritmo frenético –calcula-se que as células precursoras deles se dividam cerca de 23 vezes por ano. Cada divisão equivale à produção de uma nova cópia do DNA paterno, o que significa uma probabilidade cada vez maior de que ocorram erros nesse processo e, portanto, mutações.

Pelo que sabemos até agora, a situação é diferente no caso dos óvulos. Embora haja alguns estudos sugerindo que eles podem se multiplicar no organismo de mulheres adultas, o mais provável é que a maior parte deles já esteja pronto quando as meninas nascem.

Com isso, o DNA deles pode sofrer danos causados por influências ambientais –radiação, certos produtos químicos etc.– e, quando a célula tenta consertar esses danos, mutações podem aparecer. O que não acontece, pelo visto, é o acúmulo de alterações ligado à divisão das células.

Por outro lado, se a quantidade de mutações de origem materna é menor, elas têm uma tendência a aparecer mais juntas, em certas regiões do genoma –como uma área de 20 milhões de letras de DNA do cromossomo 8 (cada pessoa tem 23 pares de cromossomos). Nessa região, a frequência de mutações de origem materna é 50 vezes superior ao que se vê no resto do genoma.


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