Folha de S. Paulo


Cientistas usam nova técnica de edição de DNA para eliminar vírus de porcos

Jennifer Doudna/UC Berkeley
Crispr-cas9, técnica de edição do DNA que pode mudar o mundo da biologia, medicina e agronomia
Crispr-cas9, técnica de edição do DNA que pode mudar o mundo da biologia, medicina e agronomia

Um sonho antigo da pesquisa biomédica – o uso de órgãos suínos para transplantes em pacientes humanos – ficou um pouco mais próximo graças a técnicas avançadas de "edição" do DNA. Cientistas dos EUA, da China e da Dinamarca conseguiram usar o procedimento para retirar das células de porcos um conjunto de vírus que poderia trazer riscos à saúde humana após um transplante.

O feito, coordenado por Luhan Yang, da empresa de biotecnologia eGenesis (sediada no Estado americano de Massachusetts), acaba de ser publicado na revista especializada "Science". Os alvos do trabalho de Yang e seus colegas foram os vírus conhecidos como Pervs (em inglês, sigla para "retrovírus endógenos porcinos").

Originalmente, os Pervs eram retrovírus, como o nome diz –o que significa que adotavam uma estratégia semelhante ao HIV, o vírus da Aids, inserindo o seu material genético dentro do DNA do hospedeiro (no caso, os ancestrais dos atuais porcos). Antigamente, isso servia para forçar as células suínas a produzir mais cópias do vírus e continuar o ciclo de infecção.

Entretanto, em vários momentos do passado, o material genético dos Pervs foi sofrendo alterações, que fizeram com que esses vírus ficassem "dormentes" no DNA dos porcos, como parte permanente dele, sem causar danos (daí o termo "endógenos", ou seja, "internos"). O problema é que nada garante que o contato do organismo humano com os Pervs não seria capaz de despertá-los, de certa maneira, fazendo com que infectassem para valer as células da pessoa transplantada e gerassem problemas de saúde sérios, como a imunodeficiência (desligamento do sistema de defesa do corpo).

Crispr

De fato, foi isso o que um trabalho anterior da equipe de Yang havia mostrado – Pervs parecem ser capazes de infectar células humanas in vitro (no laboratório). Para minimizar esse risco, os pesquisadores usaram a técnica conhecida como Crispr (pronuncia-se "crísper"), uma espécie de tesoura molecular bastante precisa que pode extirpar áreas indesejadas do genoma e, se for o caso, colocar outros pedaços de DNA no lugar delas.

O trabalho não prosseguiu sem tropeços: na tentativa de arrancar 25 Pervs diferentes do DNA de uma linhagem de células suínas, os cientistas não conseguiam ultrapassar a taxa de 90% de sucesso. Foi apenas com o uso de abordagens adicionais de "correção" do DNA que eles chegaram a 100% de êxito. As células totalmente corrigidas foram inseridas em embriões de porcos, com o objetivo de produzir órgãos "livres de Pervs" nesses animais.

Em comunicado oficial, a eGenesis anunciou que seu próximo objetivo é usar a técnica Crispr para retirar dos órgãos suínos os fatores genéticos que levam à rejeição no organismo humano. Só esse feito é que poderia abrir de vez a possibilidade de transplantes entre porcos e pessoas.


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