Folha de S. Paulo


DNA é usado para armazenar filme

Editoria de Arte/Folhapress
Gif armazenado em DNA
Gif armazenado em DNA

Foi um dos primeiros filmes já feitos. Um cavaleiro galopando filmado em 1878 pelo fotógrafo britânico Eadweard Muybridge, que tentava descobrir se os cavalos, ao galopar, em algum momento não tocavam o chão, ficavam sem nenhum dos cascos em contato com o solo.

Mais de um século depois, esse pequeno filme novamente faz parte da vanguarda.

Ele é o primeiro filme da história a ser armazenado no DNA de uma célula viva, do qual poderá ser recuperado quando se quiser, além de se multiplicar indefinidamente conforme o hospedeiro se divide e cresce.

A novidade, desenvolvida por pesquisadores da Universidade Harvard, nos EUA, e publicada nesta quarta-feira (12) na revista "Nature", é o exemplo mais recente –e possivelmente um dos mais espantosos– do vasto potencial genômico para armazenagem de dados.

Até o momento, cientistas já guardaram em DNA todos os sonetos de Shakespeare. George Church, geneticista de Harvard e um dos autores do novo estudo, recentemente armazenou seu próprio livro "Regenesis" no DNA de uma bactéria e fez 90 bilhões de cópias dele.

"Um recorde de publicação", afirmou o geneticista em uma entrevista.

Com a nova pesquisa, os cientistas começam a imaginar a possibilidade de um futuro ainda mais estranho: programar uma bactéria para gravar o que células humanas estão fazendo –quase fazer um "filme" da vida celular.

Seth Shipman
Imagem de uma mão armazenada em DNA bacteriano e, após muitas gerações, extraída
Imagem de uma mão armazenada em DNA bacteriano e, após muitas gerações, extraída

Desse modo, quando algo estiver estranho ou uma pessoa ficar doente, médicos poderiam extrair a bactéria e "assistir" ao que foi gravado.

A ideia, segundo Church, lembra as caixas-pretas de aviões, que são usadas para guardar informações do voo e podem ser acessadas em caso de acidentes.

Claro que isso tudo ainda é praticamente ficção científica, afirma Ewan Birney, diretor do Instituto Europeu de Bioinformática e membro do grupo que armazenou em DNA os sonetos de Shakespeare.

Church e Seth Shipman, um geneticista, e seus colegas começaram o trabalho armazenando as diferentes tonalidades de cinza dos pixels (e códigos de barras que indicavam suas posições na imagem) em 33 letras de DNA. Cada frame do filme continha 104 desses fragmentos de DNA.

Ao fim, os geneticistas tinham uma sequência inteira de DNA que representava o filme completo.

O passo final foi usar Crispr, uma poderosa técnica de edição gênica, para inserir a sequência de DNA em uma bactéria comum, a E.coli.

Mesmo com a modificação, a bactéria se multiplicou normalmente. Segundo os pesquisadores, o filme permaneceu intacto nas gerações seguintes da bactéria.

Há meio século, décadas antes de qualquer um conseguir sequenciar o genoma, o renomado físico Richard Feynman propôs que o DNA poderia ser usado para armazenar dados.

"Biologia não é simplesmente escrever a informação; é fazer alguma coisa em relação a ela", disse Feynman em um palestra em 1959. "Imagine a possibilidade de criar algo minúsculo que faça o que quisermos."

A ideia de Feynman "foi a peça seminal, nos deu uma direção", disse Leonard Adleman, um matemático da Universidade do Sul da Califórnia e coinventor de um dos mais populares métodos de criptografia, o RSA.

Em 1994, Adleman afirmou que havia armazenado dados em DNA e os usou para resolver um problema matemático. Ele afirmou que o DNA poderia armazenar milhões de vezes mais dados do que um disco rígido.

E armazenar informação é um problema crescente hoje. Além de enormes quantidades sendo geradas diariamente, a tecnologia usada para guardar dados fica obsoleta rapidamente. Lembra dos disquetes?

O DNA, por outro lado, nunca se tornará algo antigo. "Organismos estão armazenando informação no DNA por bilhões de anos, e ela continua legível", afirmou Adleman. Ele disse que bactérias modernas conseguem ler genes recuperados de insetos presos em âmbar por milhões de anos.

Para Shipman e Church, o primeiro desafio se esconde no cérebro, que contém 86 bilhões de neurônios que ninguém sabe exatamente o que estão fazendo.

"Agora, conseguimos medir um neurônio por vez com eletrodos. Mas não caberiam 86 milhões eletrodos em uma cabeça", disse Church. O mesmo não se aplica a bactérias com genoma editado, que caberiam perfeitamente.

A ideia seria usar as bactérias como ferramentas de gravação que chegariam até o cérebro pela corrente sanguínea. Após um tempo, os cientistas extrairiam as bactérias e examinariam seus DNAs para saber o que elas observaram nos neurônios.

Mesmo que estas sejam ideias futuristas, tecnologias biológicas estão evoluindo em ritmo acelerado, diz Church.

O primeiro esforço para o sequenciamento do genoma humano levou anos e custou US$3 bilhões. Os mais otimistas afirmavam que talvez em 60 anos o sequenciamento ficasse mais barato, por volta de US$1.000.

"Levou seis anos, ao invés de seis décadas", afirma Church.


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