Folha de S. Paulo


Superboi brasileiro pode aumentar produção de carne

Rodrigo Alonso
Bezerro nelore resultado da pesquisa brasileira
Bezerro nelore resultado da pesquisa brasileira

Um boi com mais músculos e, portanto, capaz de produzir mais carne. Esse é o resultado do esforço de brasileiros que, a partir de sucessivos cruzamentos, conseguiram inserir essa característica em bovinos já adaptados ao clima tropical.

O projeto foi conduzido por Rodrigo Alonso, doutor em reprodução animal pela USP, e por Amílcar Tanuri, pesquisador da UFRJ.

Os cientistas sabiam que algumas raças europeias, como a belgian blue, têm mais músculos e, dessa forma, produzem mais carne. Contudo, a tentativa de trazer essas raças para o Brasil não foi bem-sucedida por causa de uma má adaptação dos animais.

O nelore é a raça predominante nos rebanhos brasileiros. "Ele é resistente ao calor e a carrapatos, a reprodução é fácil e o bezerro fica independente mais rápido", diz Alonso.

A ideia dos pesquisadores, então, foi tentar produzir um animal com todas as características de um nelore mas com a musculatura de um boi europeu. Para isso, eles precisavam que o nelore tivesse a característica genética que propicia a musculatura avantajada do belgian blue.

A proteína miostatina e o gene associado a sua produção são os responsáveis pela inibição do crescimento dos músculos. No caso dos belgian blue, uma mutação nesse gene possibilita a musculatura exacerbada.

Os pesquisadores, contudo, não queriam criar um animal transgênico, pois isso impossibilitaria, pelo menos a curto prazo, a aplicação comercial do estudo. Por isso, decidiram pela introgressão, a técnica de cruzamentos sucessivos.

Começaram cruzando uma vaca nelore com um touro belgian blue. A sequência de cruzamentos continuaria –com a seleção, a partir de análises de DNA após o nascimento, dos animais com as características desejadas– até se ter um nelore musculoso.

DEMORA

O processo todo levaria cerca de 30 anos, um tempo que os cientistas brasileiros não quiseram esperar.

Eles, então, começaram a fazer análises genéticas nos embriões e fazer fertilizações somente com os que tivessem a característica desejada. "Pego embrião por embrião, tiro algumas células, vejo como é o DNA e só transfiro para uma vaca os que eu quero", diz Alonso.

A ideia deu certo, mas mesmo assim o tempo foi longo até conseguirem os músculos que queriam. Após quase 15 anos, nasceram os primeiros bezerros nelore homozigotos (com duas cópias do gene do belgian blue) musculosos. No momento, já há mais de 500 desses animais, em Araçatuba (SP), onde fica a sede do projeto.

"Nos bovinos, a seleção dessa mutação é um pouco atrasada. Em porcos e galinhas, essa melhoria genética da miostatina a partir de cruzamentos já foi feita", afirma Tanuri, pesquisador da UFRJ.

Segundo os pesquisadores, em um nelore normal, aproximadamente metade do peso será aproveitado para produção de carne. No nelore musculoso que criaram, essa taxa sobe 20%, para cerca de 60% do peso total do animal.

PARTO DIFÍCIL

Há, porém, alguns problemas com um bezerro que já nasce muito musculoso. No caso de animais homozigotos, o parto precisa ser acompanhado por uma equipe especializada, preparada até mesmo para uma possível cesariana. "Senão, a vaca pode não aguentar. Podem morrer ela e o bezerro", diz Alonso.

Já para os animais heterozigotos (que possuem só uma cópia da mutação musculosa), o trabalho de parto é mais comum.

Outro possível problema diz respeito à gordura presente na carne. O gado mais musculoso possui uma quantidade menor do nutriente, o que poderia não aos frigoríficos, à indústria e alguns consumidores de paladar mais exigente. Contudo, os pesquisadores acreditam que isso não será um problema.

Os estudos para o desenvolvimento do gado musculoso foram financiados pelos próprios pesquisadores, pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).


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