Folha de S. Paulo


Organização leva água potável com custo acessível a escolas em Uganda

Eronie Kamukama
Estudantes fazem fila para tomar água potável segura
Estudantes fazem fila para tomar água potável segura

Quando a organização sem fins lucrativos Impact Carbon (o impacto do carbono, em tradução livre) começou a operar em Uganda, buscava maneiras de melhorar a produção e a qualidade de fornos de cozinha de baixa poluição, como maneira de mitigar as emissões de carbono e reduzir a poluição do ar em ambientes fechados.

Com o progresso das operações da Impact Carbon, surgiu a compreensão da necessidade de introduzir, ao mesmo tempo, sistemas de purificação de água.

"Descobrimos que também podíamos pensar na introdução de sistemas de purificação de água como canal para reduzir o uso da madeira como combustível, de modo que em lugar de ferver água, com uso pesado de lenha, que tem impacto negativo sobre o ambiente, os domicílios e instituições pudessem usar sistemas de purificação", disse Mark Turgesen, diretor da Impact Carbon e da Impact Water (o impacto da água, em tradução livre) em Uganda.

Em 2012, a Impact Carbon conduziu um estudo piloto para identificar de que maneira poderia ajudar as escolas, especialmente, porque isso permitiria que a organização lidasse com uma grande população que precisa de água potável segura, principalmente porque as crianças são uma das parcelas mais vulneráveis da sociedade.

Estatísticas da Water.org, uma organização que oferece soluções de água em larga escala e opera em 14 países de todo o mundo, indicam que cerca de oito milhões de ugandenses não têm acesso a água limpa. De acordo com Turgesen, as crianças têm direito a sobreviver, e parte da sobrevivência é comida adequada, água adequada e abrigo adequado.

"Isso deveria ser acessível não só para as crianças, para satisfazer os seus direitos básicos, mas também por conta das implicações de saúde que podem afetar a presença na escola e o nível de atenção na sala de aula, ele diz.

O Programa de Água e Saneamento na Região da África (WSP-AF) reporta que 440 crianças morrem por semana em Uganda devido a doenças transmissíveis pela água. A Impact Carbon estima que 40% dos casos de diarreia são atribuíveis à água consumida nas escolas.

No entanto, em meio a tudo isso, uma ideia persistia nas mentes da equipe da Impact Carbon.

"Será que podemos oferecer sistemas de purificação de água para as escolas? Será que isso é sustentável? O que poderíamos fazer que exerça impacto profundo e assegure que, quando tivermos introduzido esses sistemas, seremos capazes de mantê-los?", a equipe questionava.

A solução encontrada foi operar o projeto como um negócio. Além de tudo, a compra dos sistemas encorajaria as escolas a assumir a responsabilidade pelo uso cuidadoso e manutenção deles. A ideia deu origem à Impact Water, registrada em 2015, uma empresa social que oferece água potável confiável a instituições em Uganda

O PROCESSO

A água passa por um processo em três estágios. Para a primeira parte da purificação, a Impact Water conecta seu sistema de purificação ultravioleta às fontes de água existentes, tais como torneiras da rede nacional de água, poços naturais, poços artesianos e água de chuva armazenada. A água é filtrada para remoção de sujeira e de patógenos de grande porte. Para criar um sabor fresco, a purificação com carvão ativado remove substâncias dissolvidas e melhora o odor. A água em seguida é tratada em uma câmara ultravioleta para matar todas as bactérias e vírus que passam pelos filtros. A água filtrada, por fim, é armazenada em tanques de aço inoxidável projetados para uso escolar.

RESPOSTA

Turgesen diz que a resposta das escolas foi a mesma, quando o Impact Water foi criado, em 2015: "'Quando podemos começar?' As escolas estavam procurando uma solução para isso porque sabem que é um problema", ele aponta.

Foi exatamente o que aconteceu no caso de Adam Kakembo, professor e diretor de saneamento na Escola Secundária Muçulmana Kawempe, em Kampala. A escola agora conta com três sistemas da Impact Water, e consome cerca de 4,5 mil litros de água ao dia.

Kakembo explica que antes da instalação dos sistemas de purificação, "fervíamos 300 litros de água por dia para os meninos e 200 litros de água por dia para as meninas, nas cozinhas da escola. Consumíamos entre três ou quatro caminhões de lenha por semana".

Kakembo afirma que, além das implicações de custo, a água fervida desse modo é inadequada, demonstra baixa confiabilidade e supri-la é um processo trabalhoso.

Os alunos "só recebiam água no período do almoço. Às vezes a lenha ficava úmida e passávamos três dias sem poder ferver água. E a água era armazenada em panelas, o que a expunha a contaminação", ele diz.

Hoje a história da escola é semelhante à da Escola Secundária Kibuli, outra beneficiária do projeto em Kampala. Hajjati Masitula, diretor assistente de ensino, diz que o sistema é conveniente e oferece acesso fácil a água segura.

Kakembo diz que água potável segura está sempre disponível agora, que o sistema tem preço acessível e bom custo/benefício energético e que os custos podem ser cobertos com as verbas regulares do orçamento escolar. Além disso, houve redução dos casos de febre tifoide.

"Qualquer escola pode arcar com o custo. A barreira entre ter e não ter o sistema é a falta de informação", afirma Kakembo.

Isso é possível porque, quando o sistema foi criado, a Impact Water buscou uma maneira de tornar seu custo acessível para as escolas. A empresa oferece uma linha de crédito que permite que as escolas paguem pelo sistema de purificação água em prazo de dois a cinco anos, e cada criança paga em média 800 xelins ugandeses (22 centavos de dólar) por ano letivo pelo serviço.

Desde que o Impact Water foi criado, 650 mil alunos em 1,3 mil escolas ugandenses ganharam acesso a água potável segura graças aos sistemas fornecidos pela empresa.

A Impact Water quer se expandir mais em instituições como centros de saúde, oferecer compras em larga escala a ONGs e criar parcerias com associações de escolas.

Por enquanto, a empresa espera levar água potável segura a um milhão de pessoas a cada dia, até o final de 2017, atingir cinco mil escolas em Uganda até o final de 2018, e atender a 10 mil escolas em todo o mundo pelo final de 2020.

"Dentro de cinco a dez anos, espero que esses engajamentos significativos –por exemplo com organizações escolares– passem a garantir água potável em todas as escolas, e que, quando um pai levar o filho à escola, poderá ter certeza de que haverá água potável disponível, assim como comida segura", disse Turgesen.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: