Folha de S. Paulo


Por que alguns corpos se mumificam naturalmente após a morte?

BBC Brasil
Múmia Juanita, de uma menina inca; acredita-se que ela morreu entre 1450 e 1480, entre 12 e 13 anos
Múmia Juanita, de uma menina inca; acredita-se que ela morreu entre 1450 e 1480, entre 12 e 13 anos

A mumificação era comum entre os egípcios, persas, algumas culturas andinas e em outras sociedades ao redor do mundo. Mas a natureza também faz seu próprio processo, de forma bem menos trabalhosa.

Naturalmente, quando o coração deixa de bater, o corpo começa a se decompor, até restarem apenas ossos. No entanto, existem ocasiões, com mais frequência do que se imagina, em que ocorre uma mumificação natural (dessecação) dos tecidos moles –da pele e dos músculos– que são conservados mesmo após a morte.

O fenômeno é tão comum que chegou a ser contemplado pela legislação italiana, explicou à BBC Mundo Dario Piombino-Mascali, antropólogo do mesmo país que atualmente pesquisa segredos médicos guardados pelos corpos mumificados em uma cripta na Lituânia.

British Museum
Múmia egípcia que foi enterrada como um indivíduo comum e ficou conservada naturalmente
Múmia egípcia que foi enterrada como um indivíduo comum e ficou conservada naturalmente

"A lei italiana, por exemplo, estabelece que quando se exuma um corpo num cemitério e se descobre que ele não foi mineralizado, ele precisa ser novamente enterrado com substâncias químicas para que restem apenas os ossos", explica Piombino-Mascali.

Mas embora seja comum, isso apenas ocorre em circunstâncias específicas.

AMBIENTE EXTREMO

O contexto em cada caso pode ser diferente, mas é preciso, a princípio, um ambiente extremo: muito quente, muito seco ou muito frio.

Depois da morte, nossas células liberam substâncias, incluindo enzimas. Isso cria um ambiente ideal para bactérias e fungos, que se incorporam a esta mistura e começam a decompor o corpo.

Na maioria dos casos, as enzimas precisam de um ambiente aquoso para agir. Mas se a temperatura é muito alta, o corpo se desidrata antes que as enzimas entrem em ação, e aí ocorre a mumificação.

"Isso também pode ocorrer quando a temperatura é muito baixa, porque o frio inibe a atividade das bactérias", disse Piombino-Mascali.

Especialmente se o corpo permanece coberto de gelo ou neve. Um dos exemplos mais conhecidos é o do corpo mumificado de Ötzi, o homem do gelo que viveu há 5.300 anos nos Alpes suíços, considerado o caso forense mais antigo da história.

South Tyrol Museum of Archaelog
Ötzi, homem congelado e preservado como múmia natural
Ötzi, homem congelado e preservado como múmia natural

NAS CRIPTAS

Criptas, como as encontradas sob o solo de muitas igrejas europeias, são lugares apropriados para a ocorrência de mumificação de corpos, porque a temperatura é baixa, em geral há boa ventilação, e as construções por cima as protegem da água.

Getty Images
As criptas são lugares ideais para proteger os cadáveres da água
As criptas são lugares ideais para proteger os cadáveres da água

A umidade, destaca o antropólogo, "é a inimiga número um das múmias".

Por outro lado, os pântanos, úmidos por natureza, são outro ambiente natural que favorece a mumificação. Isto se deve ao fato de serem ambientes geralmente frios, ácidos e anaeróbicos.

Além disso, muitos têm um tipo de musgo (Sphagnum, ou esfagno) que cria mudanças químicas capazes de frear a atividade microbiana, o que ajuda na preservação dos tecidos.

Outro fator é a composição do solo: a areia, por exemplo, absorve os fluidos, enquanto a presença de metais pesados no solo pode retardar a ação das enzimas.

MTNMichelle/Getty Images
Múmia do cemitério Chauchilla em Nazca, no Peru
Múmia do cemitério Chauchilla em Nazca, no Peru

O material do caixão também pode ter influência: a madeira pode ter propriedades que ajudam na preservação, e os tecidos que cobrem o corpo podem absorver os líquidos.

Por último, o processo depende ainda das características corporais de cada indivíduo. É mais difícil que a mumificação ocorra se o morto tiver uma concentração alta de gordura corporal.


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