Folha de S. Paulo


Chimpanzés aprendem e transmitem cultura, e mães são essenciais para isso

Reprodução/Flickr/Stephan Rinke
Uma técnica observada em um chimpanzé se espalhou com o passar do tempo
Uma técnica observada em um chimpanzé se espalhou com o passar do tempo

Animais também têm uma forma de "cultura". Vários deles aprendem a usar ferramentas e passam a técnica para os colegas. Um novo estudo sobre uma ferramenta adquirida recentemente por chimpanzés –usar musgo como uma esponja para beber água em vez de usar folhas– demonstrou agora o papel fundamental que as mães têm no aprendizado da prole.

Foi graças ao ensinamento das mães que a nova técnica, observada na natureza pela primeira vez em 2011, começou a se disseminar nos anos seguintes em um grupo de chimpanzés de Uganda.

A descoberta é da pesquisadora Noemie Lamon, da Universidade de Neuchâtel, Suíça, e da Estação de Conservação de Campo de Budongo, Uganda, e de mais três colegas. A pesquisa foi publicada na última edição da revista científica americana "Science Advances".

A técnica foi primeiro observada no macho alfa do grupo em novembro de 2011 e a princípio se disseminou por uma rede social de animais próximos a ele. Mas o estudo do mesmo grupo em 2014 revelou que a técnica tinha se espalhado, e os pesquisadores atribuem isso ao papel das mães.

"A pesquisa atual sobre a cultura animal tem focado fortemente na catalogação da diversidade de comportamentos socialmente transmitidos e nos mecanismos sociais de aprendizagem que sustentam sua disseminação. Comparativamente, sabe-se menos sobre a persistência do comportamento cultural após a inovação em grupos de animais selvagens", escreveram os autores.

A equipe, que incluiu cientistas da Suíça e Reino Unido, diz acreditar que essas descobertas podem ter implicações para a evolução da transmissão cultural nos seres humanos, apesar da sua complexidade cada vez maior.

"A cultura humana atingiu tal complexidade, especialmente devido à nossa capacidade de acumulação de mudanças ao longo do tempo, que temos de aprender parte dela fora do núcleo familiar –em escolas e instituições–, como tecnologia, linguagem, convenções. No entanto, minhas descobertas podem lançar luz sobre os padrões de transmissão dos primeiros seres humanos, usando lascas de pedra, por exemplo, e pode ajudar a compreender a transmissão cultural humana precoce", disse Lamon em entrevista à Folha.

A equipe não se limitou a observar, mas construiu um experimento para tentar entender o fenômeno do uso de musgo como ferramenta para extrair água rica em minerais de um poço de argila. O grupo de chimpanzés tem hoje cerca de 70 indivíduos.

O estudo no campo costuma ser feito por um método chamado de "exclusão"; mas a equipe agiu de outro modo.

"O método de exclusão consiste primeiro em encontrar um padrão comportamental –no nosso caso, o musgo usado como esponja–, que está presente em um grupo de animais –no nosso caso em uma comunidade de chimpanzés–, mas ausente em outro grupo da mesma espécie", afirma a cientista.

"Se a diferença, que significa a ausência em um grupo e a presença em outro grupo, com relação a esse padrão comportamental não pode ser explicada por fatores ecológicos ou genéticos, então tem que ser cultural", diz ela. "Mas para que um comportamento seja cultural, ele também tem que ser transmitido socialmente. O problema é que esse método de exclusão não pode provar que um comportamento é aprendido socialmente."

Em vez disso, a equipe usou um experimento e um modelo estatístico que permitiram provar que uso do musgo é transmitido socialmente por via "matrilinear" –as fêmeas passam o comportamento aos filhotes.

O poço de argila consiste em dois buracos de água no fundo na parte inferior de duas árvores. As cavidades foram preenchidas com água da chuva enriquecida com minerais dissolvidos a partir de uma alta concentração de argila no solo. Os cachos de musgo (da espécie Orthostichella welwitschii) foram coletados em áreas de pântano dentro da área natural dos chimpanzés e pendurados em árvores ao redor do poço. Não foram fornecidas folhas porque o local está localizado em uma área densa em árvores, com uma grande variedade delas regularmente usadas pelos chimpanzés para fabricar as "esponjas de folha".

Em 2011 o uso de musgo só foi visto em oito indivíduos; em 2014 o número era de 17, embora a esponja de folha continuasse a ser a técnica predominante.

"O tempo pode realmente ser visto como lento, mas primeiro nós demonstramos que a transmissão não segue um padrão aleatório. Em segundo lugar, este comportamento, de uso de esponja de musgo é usado principalmente em poços de argila, que são raros na floresta", declara Lamon.

A técnica também só costuma ser usada durante as estações úmidas (um mês em torno de maio e de um a dois meses em torno de novembro), quando os poços são preenchidos com água da chuva, "o que reduz consideravelmente as ocasiões de novos indivíduos para aprenderem o comportamento".

Não foi feito nenhum teste para checar as qualidades nutricionais da água dos poços de argila; "o que nós testamos em um estudo subsequente, que deve ser publicado logo, é que as esponjas de musgo podem absorver mais água do que as de folhas e sua fabricação é mais rápida", afirma a pesquisadora da universidade suíça.


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