Folha de S. Paulo


Diferentes plantas carnívoras usam o mesmo arsenal contra insetos

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Planta carnívora _Cephalotus follicularis_
Planta carnívora Cephalotus follicularis

Não existem muitas plantas carnívoras; estima-se que só 0,2% das plantas que dão flores sejam comedoras de carne, isto é, de insetos. Elas estão disseminadas em quase todos os continentes –a fria Antártida é a exceção de praxe–, e usam métodos variados para capturar suas presas.

Mas uma pesquisa com o material genético de quatro espécies representativas revelou uma surpresa: elas usam praticamente o mesmo arsenal bioquímico para digerir suas vítimas.

Apesar da distância -biológica e geográfica-, quatro plantas carnívoras adaptaram os genes associados a respostas ao estresse em outras plantas para produzir as proteínas do suco digestivo que consome suas presas.

"Isso sugere que há apenas caminhos limitados para se tornar uma planta carnívora", diz o biólogo Victor A. Albert, da Universidade de Buffalo (EUA). "Essas plantas têm um kit de ferramentas genéticas e estão tentando chegar a uma resposta para o problema de como se tornar carnívoras. No fim, todas vieram com a mesma solução".

A pesquisa, feita por uma equipe de 33 cientistas de sete países, com destaque para Japão, China e EUA, foi publicada recentemente na revista científica "Nature Ecology & Evolution".

O estudo envolveu sequenciar o material genético da planta-de-jarro-australiana, nome científico Cephalotus follicularis. Ela foi escolhida porque produz tanto folhas carnívoras que formam recipientes (os "jarros") contendo os fluidos que digerem suas presas, e folhas não carnívoras. Isso permite compará-las para ver como a carnívora se desenvolve.

A comparação foi feita com três outras plantas carnívoras distantemente relacionadas: a orvalho-do-Sol australiana de Queensland (Drosera adelae); uma planta-de-jarro endêmica filipina (Nepenthes alata); e a planta-de-jarro roxa, nativa dos EUA e Canadá (Sarracenia purpurea).

Os pesquisadores fizeram uma amostra do "coquetel digestivo" da Cephalotus e demais plantas carnívoras; identificaram um total de 35 proteínas, usando espectrometria de massa.

Muitas das proteínas estão relacionadas com as que outras plantas com flores usam para afastar agentes causadores de doenças. É o caso de enzimas que quebram um polímero chamado quitina como uma defesa contra fungos, que fazem suas paredes celulares com esse composto químico. Mas a equipe suspeita que as plantas carnívoras reutilizaram a enzima para digerir exoesqueletos de insetos, também feitos de quitina.

"A carnivoria em plantas evoluiu pelo menos seis vezes em plantas com flores e nós analisamos apenas três linhagens -foram quatro espécies usadas, mas Drosera e Nepenthes compartilham uma mesma linhagem carnívora", disse à Folha um dos líderes do estudo, Kenji Fukushima,, do Instituto Nacional para Biologia Básica, de Okazaki (Japão).

"As proteínas que respondem ao estresse são bem conservadas em plantas com flores, de modo que outras linhagens carnívoras que não analisamos poderiam ter recrutado essas proteínas de forma semelhante para evoluir a fisiologia digestiva", diz Fukushima.

O principal autor da teoria da evolução biológica, o britânico Charles Darwin (1809-1882), escreveu em 1875 um pioneiro livro sobre plantas carnívoras. Ele ficou fascinado por elas, e como poderiam ajudar a entender a evolução.

O fascínio também atingiu outro líder da pesquisa, Mitsuyasu Hasebe, do mesmo Instituto em Okazaki.

"Quando eu era aluno de uma escola preliminar, fui atraído por plantas carnívoras cultivadas por meu amigo, um dos coautores, Taketoshi Uzawa. O ponto de partida deste trabalho de pesquisa remonta à nossa lição de casa de verão, na idade de 12 anos", disse Hasebe à Folha.

"Além desse gosto inicial, as plantas carnívoras me atraíram muito mais por causa de sua importância na biologia evolutiva em geral. A teoria da seleção natural e a teoria neutra da evolução molecular são conceitos poderosos na biologia evolutiva. No entanto, mesmo com tais teorias, ainda existem fenômenos não explicados, um dos quais é a evolução da complexidade. É difícil explicar os mecanismos necessários para evoluir traços adaptativos complexos, como plantas carnívoras", acrescenta Hasebe.

A planta carnívora deve apresentar quatro traços: atração, captura, digestão e absorção da presa. "No entanto, com base na teoria evolutiva, cada componente deve evoluir um a um de acordo com a acumulação de mutações", diz Hasebe.

Isso significa também que pode haver mais plantas do tipo do que se imagina. Por exemplo, demorou para o gênero _Philcoxia,_ nativo do cerrado brasileiro, ser incluído entre as plantas carnívoras. Um estudo prévio foi inconclusivo. Um estudo publicado em 2012, incluindo autores brasileiros, mostrou que essas plantas comem vermes debaixo do solo capturando-os com folhas adesivas.

"A Philcoxia é uma planta interessante. Eu quero ter uma, mas não tive a chance de obtê-la. Uma razão da subestimação é a dificuldade técnica para provar a capacidade de digestão e absorção da planta. Existem muitas plantas pegajosas que capturam pequenos insetos e, eventualmente, os matam apenas para se proteger de predadores herbívoros. Para distinguir plantas carnívoras genuínas de plantas meramente pegajosas, você precisa de dados para digestão ou absorção, idealmente ambos", diz Fukushima.

"A descoberta da nova planta carnívora Philcoxia, bem como outras novas no Brasil, indicam que deve haver mais plantas carnívoras no mundo. Entretanto, não há tantas áreas não exploradas na Terra e o número de espécies aumentará no máximo 20% das atualmente descritas cerca de 700 espécies", afirma Hasebe.


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