Folha de S. Paulo


Cientistas tentam entender origem do terrorismo e como preveni-lo

Jonathan Nackstrand/AFP
Especialistas de diferentes áreas propõem uma estratégia para a pesquisa do terrorismo
Especialistas de diferentes áreas propõem uma estratégia para a pesquisa do terrorismo

O presidente americano Donald Trump, que prometeu ser duro face ao terrorismo, especialmente o do Estado Islâmico, criou uma pequena tempestade nos meios acadêmicos com suas posições extremadas.

Ironicamente, a eleição de Trump coincidiu com um artigo publicado na revista "Science", em que quatro especialistas de diferentes áreas propõem uma estratégia para a pesquisa do terrorismo, com ênfase na cooperação governo-academia.

O artigo foi escrito por Scott Atran e Robert Axelrod, ambos da Universidade de Michigan, Baruch Fischhoff da Universidade Carnegie Mellon e Richard Davis, ex-assessor da Casa Branca, hoje na Universidade de Oxford.

"Aspectos fundamentais do terrorismo permanecem obscuros: o que identifica os terroristas antes de agirem; como se radicalizam; o que motiva sua violência; quando agem; que contramedidas são mais eficazes?", perguntam os pesquisadores.

Eles defendem uma pesquisa de campo teoricamente informada, que inclua todas as disciplinas e seja vinculada à formulação de políticas estatais –com cuidado para preservar a independência acadêmica dos investigadores.

"Um progresso melhor para informar e testar hipóteses é possível usando dados de campo, coletados de forma cientificamente confiável de terroristas, seus apoiadores e nas populações em que vivem", dizem Atran e colegas.

No deserto de dados sobre como funcionam os grupos terroristas há espaço de sobra para elucubrações. De modo simplista, dizem os autores, muitos acreditam que a radicalização pode surgir da pobreza, falta de educação, marginalização, ocupação militar estrangeira e fervor religioso.

Uma linha de pesquisa mais acessível é estudar "como as pessoas realmente se envolvem em redes terroristas –por exemplo, como elas se radicalizam e são recrutadas, passam à ação ou abandonam a causa", dizem os cientistas.

Segundo os especialistas, a juventude, maior parte dos recrutas terroristas atuais, é um dos principais pontos no qual a pesquisa deve se focar.

"Para prevenir o terrorismo, precisamos de pesquisa sobre prevenção, promovendo o desenvolvimento positivo da juventude através de possibilidades concretas para realizar as esperanças e os sonhos dos jovens", afirmam.

"Para serem mais bem-sucedidos na luta contra o terrorismo, os governos devem observar como se pode construir capacidade de pesquisa adequadamente financiada, independente da interferência governamental e fundamentada na coleta, verificação e análise sistemática de dados desprovidos de política", diz Atran.

Segundo Fischhoff, da Carnegie Mellon, as dificuldades para isso são grandes, considerando as diversas especialidades necessárias e a falta de oportunidades e incentivo.

Mesmo os EUA, país interessado no tema, não gastam muito com a pesquisa social do terrorismo. O financiamento do Departamento de Defesa para as ciências sociais não tem sido maior do que 2% do seu orçamento anual entre US$ 5 bilhões e US$ 6 bilhões para pesquisa em ciência. Mesmo o financiamento federal para psicologia e pesquisa em ciências sociais nas universidades tem sido constante (US$ 958 milhões de US $16 bilhões) na última década.

MAPA DOS ATENTADOS

De 1970 até 2015, o mundo foi afetado por cerca de 150.000 atentados terroristas, com diferentes níveis de gravidade. O cálculo foi feito pelo Consórcio Nacional de Estudo do Terrorismo e Respostas ao Terrorismo da Universidade de Maryland (conhecido pela sigla em inglês Start).

Um mapa reunindo as informações desses ataques terroristas durante 45 anos produzido pelo Start mostra a intensidade (combinação entre número de mortos e feridos) dos atentados –cores frias, como verde, para baixa intensidade, cores quentes, como amarelo e vermelho, para alta.

Os locais mais "quentes" do planeta neste período foram Peru, Colômbia e América Central no continente americano; Nigéria, Congo e Argélia, no continente africano; Israel/Palestina, Jordânia e Síria, na Ásia. Irlanda do Norte e país Basco eram os mais "quentes" na Europa.

Quando de trata de terrorismo, a pesquisa acadêmica precisa se tornar verdadeiramente interdisciplinar, para que análises de dados, unindo teoria e experiência de campo, prestem atenção a conexões significativas.

O sucesso do Estado Islâmico se deve, em parte, ao trabalho de campo, ao aprender as nuances de palavras e conexões sociais necessárias para alistar seguidores. Pesquisas sugerem que quase três quartos dos que se juntam ao Estado Islâmico ou à Al Qaeda o fazem em grupos, através de redes sociais pré-existentes em pequenas cidades ou bairros específicos. Portanto, as políticas de prevenção precisam focar menos em personalidades individuais e mais em dinâmicas de grupo.

O Estado Islâmico conseguiu recrutar militantes em cerca de 100 países; logo, a investigação de campo e seu financiamento precisariam ser uma cooperação multinacional.

Além disso, os modelos de crescimento de redes terroristas poderiam se basear numa "epidemiologia" de ideias radicais nas redes sociais, permitindo uma abordagem da saúde pública, e não puramente criminosa, ao extremismo.


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