Folha de S. Paulo


Arqueólogos descobrem uma dinastia feminina pré-colombiana

Douglas Kennett/Penn State University
Pueblo Bonito, cidade com cerca de mil anos de idade construída no deserto do Novo México
Pueblo Bonito, cidade com cerca de mil anos de idade construída no deserto do Novo México

Análises de DNA acabam de revelar um caso relativamente raro de poder feminino numa das sociedades mais enigmáticas da América pré-colombiana.

No túmulo que abrigava a elite de Pueblo Bonito, cidadela com cerca de mil anos de idade construída no deserto do Novo México (EUA), só podiam ser enterradas pessoas que pertenciam a uma dinastia materna específica, afirmam pesquisadores.

"Estamos falando de uma linhagem importante que existiu por pelo menos umas dez gerações entre os anos 800 e 1130 d.C. Alguns desses indivíduos tinham parentesco próximo entre si, outros eram parentes mais distantes uns dos outros, mas todos descendiam de uma fundadora do sexo feminino que viveu antes do ano 800", explicou à Folha o coordenador do estudo, Douglas Kennett, do Departamento de Antropologia da Universidade do Estado da Pensilvânia (EUA).

Combinando datações relativamente precisas, por meio do método do carbono-14, com as análises genéticas, Kennett e seus colegas conseguiram reconstruir como as governantes (e seus consortes homens) de Pueblo Bonito teriam solidificado seu domínio da área ao longo dos séculos.

Onde fica Pueblo Bonito

O sítio arqueológico, localizado num cânion, originalmente era um grande complexo de cômodos –mais de 600, no total–, construídos com muros de pedra e chegando a até cinco andares de altura. Como não há uma grande quantidade de sinais de ocupação permanente dentro das centenas de salas, é possível que Pueblo Bonito fosse um megacentro cerimonial (um "Vaticano" ou "Templo de Salomão" pré-colombiano, digamos), e não exatamente uma cidade.

Outro detalhe importante é que quase todos os sepultamentos associados ao complexo foram feitos relativamente longe do assentamento. A principal exceção é a cripta da chamada sala 33, que parece ter sido erigida nas fases iniciais de construção de Pueblo Bonito.

Nesse local, foram encontrados os restos de 14 pessoas, associados a ricas oferendas fúnebres, como contas de turquesa (um mineral de marcante coloração azul), conchas vindas da costa do Pacífico, flautas, cajados de madeira, cerâmica trabalhada e até penas de arara (importadas do atual México, talvez).

Os pesquisadores conseguiram obter mtDNA (DNA mitocondrial, presente nas mitocôndrias, as usinas de energia das células) de nove dos 14 indivíduos exumados na cripta. O mtDNA só é transmitido de mãe para filha ou filho, diferentemente do DNA do núcleo das células. Foi então que veio a primeira surpresa: todas as nove pessoas tinham mtDNA praticamente idêntico, indicando que compartilhavam uma ancestral pelo lado materno.

Poderiam ser nove filhas e filhos de uma mesma mãe? Não, porque as datações indicavam que os enterros na cripta foram acontecendo de forma gradual, ao longo de alguns séculos.

Foi possível, a seguir, fazer análises ainda mais refinadas de DNA –incluindo aí o DNA do núcleo– em seis dos esqueletos. Eram três mulheres e três homens, mostraram os dados genéticos. Desses, quatro eram parentes próximos entre si: uma mulher que morreu na casa dos 40 anos e um homem que morreu por volta dos 30, que seriam avó e neto; e uma mulher de 45 anos e uma jovem de 25, que devem ter sido mãe e filha. Por outro lado, o primeiro morto da linhagem a ser enterrado ali era do sexo masculino e morreu aos 40, com uma pancada na cabeça.

"O poder e a influência política nessa sociedade estavam associados à linhagem materna, de forma que tanto homens quanto mulheres compartilhavam poder e influência", desde que pertencessem ao clã feminino "nobre", explica Kennett.

Se a inferência estiver correta, isso significa que os habitantes de Pueblo Bonito talvez tenham deixado descendentes entre os atuais indígenas do sudoeste dos EUA, apesar de terem abandonado seus assentamentos faraônicos antes da chegada dos europeus.

É que, entre as tribos atuais hopis e zunis, as linhagens ainda são determinadas pelo lado materno, e não pelo lado paterno. Quando um homem se casa, por exemplo, os filhos que gera com a mulher são considerados membros da linhagem dela, e não da dele (seria como se levassem o "sobrenome" da mãe).


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