Folha de S. Paulo


Conheça o mesentério, o 'novo' órgão que sempre esteve aí na sua barriga

Leonardo Da Vinci/Reprodução
Caderno de desenhos de Da Vinci já continha registro da estrutura conhecida como mesentério
Caderno de desenhos de Da Vinci já continha registro da estrutura conhecida como mesentério

Não que ele fosse um total desconhecido, mas o mesentério, estrutura responsável por manter o intestino ligado ao corpo, nunca esteve em alta. Agora, porém, ele foi promovido a órgão e está na mesma categoria que o coração e a tireoide, por exemplo.

A proposta de troca de status é o resultado do esforço de pesquisa do cirurgião John Coffey, da Universidade de Limerick, na Irlanda, que há anos já vinha trabalhando no tema. A formalização da iniciativa veio em um artigo publicado na revista "The Lancet: Gastroenterology and Pathology" em coautoria com o também cirurgião Peter O'Leary.

O principal argumento de Coffey é anatômico: o mesentério apresenta uma estrutura contínua, inclusive identificada por Leonardo da Vinci, por volta do ano 1500, que o retratou mostrando sua convergência central.

MESENTÉRIO: Conheça o seu mais novo órgão (que sempre esteve aí)

Depois disso, difundiu-se a ideia de que o tecido do mesentério seria algo difuso, espalhado e até mesmo não obrigatório (umas pessoas teriam, outras não). O culpado seria o cirurgião Frederick Treves, que viveu no século 19 e seria o responsável pelo novo órgão se tornar "malfalado".

Seu contemporâneo Carl Toldt até chegou perto de identificar corretamente o órgão, mas falhou em mostrá-lo à comunidade científica, na análise de Coffey e O'Leary.

O que se sabe até agora não é muita coisa. Trata-se de um tecido fibroso, que ancora nervos, linfonodos, intestino e vasos sanguíneos, que capturam os nutrientes absorvidos pelo intestino e os levam ao fígado.

"É uma estrutura relativamente robusta de sustentação. Se não fosse por ele, os vasos sanguíneos se romperiam ao menor trauma, como em uma bolada ou em uma pancada decorrente de uma freada de carro, por exemplo", explica o cirurgião José Capalbo, do Centro de Gastroenterologia do Hospital 9 de Julho.

Segundo o cirurgião Sérgio Roll, do Centro de Hérnia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, é importante dar valor ao upgrade: "Sem isso, dificilmente haverá grupos de pesquisas interessados em desvendar as funções ainda desconhecidas do órgão, assim como empresas e agências de fomento interessadas em financiar os estudos".

MESENTÉRIO - Linha do tempo

O médico se diz entusiasmado com as novas possibilidades de novas terapias para doenças que ainda não têm muitas possibilidades de tratamento. Entre as principais apostas até agora estão o diabetes, as dislipidemias (gorduras ou colesterol elevados no sangue) e a obesidade.

Mas, segundo Capalbo, o achado, apesar de relevante, não é tão revolucionário. "O mesentério já é muito bem definido e bem estudado. Quando se diz que ele alcançou o status de órgão, é porque acredita-se que tenha funções bem definidas". De acordo com o autor do estudo, John Coffey, descobrir exatamente o que o mesentério faz é a área em que deve haver maior esforço de pesquisa.

Toda essa movimentação na área gastroenterológica, segundo Capalbo, aconteceu por causa do recente aumento de cirurgias bariátricas.

"Depois que se percebeu que o diabético tipo 2 se curava com a cirurgia, passou a ser interessante estudar melhor o mesentério, o pâncreas e os hormônios ligados à saciedade, por exemplo."

DOENÇAS

As funções endócrinas do mesentério –de produção de moléculas que promovem a comunicação com outras partes do organismo– praticamente não foram exploradas. E elas são a aposta para que o órgão seja relevante na prática médica.

Atualmente, o conhecimento é limitado. Sabe-se que a produção pelo mesentério da substância conhecida como proteína C reativa tem papel importante na regulação das taxas sanguíneas de açúcar e no metabolismo da gordura –daí a possível relação com diabetes e obesidade.

Outra doença relacionada ao mesentério é a doença de Chron, moléstia inflamatória que afeta o revestimento do sistema gastrointestinal. Achados recentes apontam que ela também afeta o novo órgão, que pode ser retirado em alguns casos para uma melhor análise.

Um conhecimento mais apurado do órgão também pode ajudar a tratar melhor as patologias que o afligem –as mesenteriopatias.

Há, por exemplo, problemas embriológicos como a "não rotação do mesentério", que pode se manifestar no primeiro ano de vida, além de hérnias, cistos e problemas vasculares.


Endereço da página:

Links no texto: