Folha de S. Paulo


Quanto pior a posição social de uma macaca em um grupo, pior sua saúde

Pessoas mais ricas tendem a ter melhor saúde e viver mais do que as mais pobres. Além de terem melhores planos de saúde, se alimentam melhor e têm trabalhos menos perigosos. Mesmo no país mais rico do mundo, os Estados Unidos, isso significa uma expectativa de vida de dez anos a mais entre as pessoas mais e menos abastadas da sociedade.

Um novo estudo feito com macacos rhesus indicou agora que a biologia pode ter também seu papel nessa história.

Ter um status inferior entre macacas da espécie está relacionado a maiores problemas com infecções e regulação da reposta do organismo a doenças, segundo estudo publicado em edição recente da revista "Science".

Conhecido pelo nome científico Macaca mulata, o rhesus, nativo da Ásia, já teve seu DNA sequenciado, indicando que os seres humanos compartilhariam com o bicho 93% do material genético. As duas espécies de primatas tiveram ancestrais comuns que divergiram há cerca de 25 milhões de anos.

Na natureza, ou mesmo na sociedade humana, a variabilidade de fatores de risco torna difícil entender o efeito biológico do status.

Mas o estudo liderado por Luis B. Barreiro, da Universidade de Montreal, Canadá, e Jenny Tung, da Universidade Duke, EUA, mostrou que o estresse crônico de viver em um status inferior pode alterar o sistema imune, mesmo sem que existam outros fatores de risco. Os animais foram estudados em cativeiro –ou seja, recebiam a mesma dieta e viviam em ambiente iguais.

Um trabalho anterior, publicado em 2005 também na "Science", por Robert Sapolsky, de Stanford, já tinha mostrado que em várias espécies de primatas a subordinação social produzia efeitos como o aumento da concentração de hormônios produzidos durante situações estressantes.

Para evitar um excesso de variáveis que teriam de ser levadas em conta no estudo de animais na natureza, o estudo foi feito com 45 fêmeas em cativeiro no Centro Nacional Yerkes de Pesquisa em Primatas da Universidade Emory University, de Atlanta, Geórgia, nos EUA.

As fêmeas não eram aparentadas. Elas foram separadas em nove grupos de cinco animais, que logo desenvolveram uma hierarquia própria. As dominantes faziam "bullying" com as subordinadas, que também recebiam menos cuidados corporais das demais.

Esses cuidados são fundamentais para estabelecer vínculo. Um exemplo é a manutenção da limpeza do pelo das companheiras, retirando pele morta, insetos, parasitas, folhas e sujeira.

As fêmeas eram introduzidas nos grupos uma por uma; como regra, a que primeiro "fundou" o grupo era a dominante. A que chegou por último ficava no final da escala. Os grupos foram observado durante cerca de um ano.

9.000

Os pesquisadores coletaram células do sistema de defesa do organismo no sangue das fêmeas e mediram a atividade de cerca de 9 mil genes. A atividade de mais de 1.600 genes era diferente em macacas subordinadas em comparação às dominantes.

Na segunda fase do estudo, as fêmeas foram rearranjadas em novos grupos. Um grupo formado só pelas "número um" dos grupos anteriores, outro só pelas "número dois", por exemplo. Ou seja, algumas das macacas que antes eram dominantes passaram a ser subordinadas, e algumas destas subiram na hierarquia.

Como é praxe, a primeira fêmea introduzida no ambiente passava a ser a líder. Ao testar de novo o sangue, os cientistas notaram que as células de defesa das fêmeas que subiram de status passaram a expressar genes de modo semelhante ao das macacas previamente dominantes, mostrando que o efeito do status social na saúde é reversível.

Em experimentos em laboratório, as células das fêmeas subordinadas apresentaram uma grande expressão de genes pró-inflamatórios.

Se o mesmo for válido para seres humanos, isso explicaria porque pessoas mais pobres têm taxas mais altas de problemas inflamatórios, como doenças cardíacas e diabetes. "Uma forte resposta inflamatória pode salvar vidas diante de agentes infecciosos", disse Barreiro. Mas os mesmos mecanismos de autodefesa –que fazem tecido infectado ficar inchado e vermelho– também podem causar danos se não forem devidamente controlados, segundo o pesquisador.

"Estudar relações de status e saúde em primatas não humanos traz uma clareza que não está disponível em estudos humanos. As diferenças de status em outros primatas não são confundidas por diferentes taxas de tabagismo, bebida, religiosidade, ser membro de academias ou seguro de saúde. Além disso, o uso de sujeitos em cativeiro garante homogeneidade na dieta, moradia e cuidados veterinários", escreveu o Sapolsky na mesma edição da "Science", comentando o novo estudo.


Endereço da página:

Links no texto: