Folha de S. Paulo


Tardígrado, animal ultrarresistente, tem genoma sequenciado

Pesquisadores no Japão descobriram alguns segredos importantes de um dos bichos mais impressionantes do planeta. Uma espécie de super-herói microscópico dotado de superpoderes que o tornam extremamente tolerante a extremos de temperatura, pressão e mesmo radiação.

O nome científico do bicho é no mínimo exótico: Ramazzottius varieornatus. Um dos "tardígrados" –até o nome popular é estranho– mais radicais na capacidade de tolerar ambientes extremos.

O nome vem do latim: "tardus", lento; e "gradus", passo. Mas também são conhecidos como ursos-d'água, embora o Ramazzottius varieornatus pareça um rinoceronte alienígena.

O visual até faz sentido. Seres vivos como ele são um dos focos de atenção dos astrobiólogos, que estudam a possibilidade de vida fora da Terra. Para sobreviver em ambientes hostis no espaço ou em outros planetas, um animal ou vegetal tem que ser capaz de resistir a extremos físicos e químicos (como excesso de acidez ou alcalinidade).

Tardígrados vivem na água e conseguem sobreviver em estado latente quando o local –um pequeno lago, por exemplo– fica seco em uma estação árida. Além disso, há espécies como o Ramazzottius varieornatus que sobrevivem tanto perto do zero absoluto como até 150°C. Tão espetacular quanto sobreviver a mil vezes mais radiação que uma pessoa.

A equipe japonesa liderada por Takekazu Kunieda, da Universidade de Tóquio, realizou o mais completo sequenciamento do genoma de um tardígrado até agora. O artigo científico descrevendo o trabalho foi divulgado pela revista "Nature Communications".

No ano passado, um grupo na Universidade da Carolina do Norte sequenciou o genoma de outra espécie de tardígrado, o Hypsibius dujardino, menos tolerante a extremos do que o sequenciado no Japão.

"Eles relataram a presença de uma enorme quantidade de transferência horizontal de genes [isto é, vindos de outros seres vivos]. Eles especulam que tardígrados emprestam muitos genes a partir de, por exemplo, bactérias, e estes genes podem ser a base para a tolerância excepcional do tardígrado", disse Kunieda à Folha.

"Mas nossas análises demonstraram –e muitos outros sugeriram– que uma enorme quantidade de genes por transferência horizontal é um fenômeno improvável no genoma tardígrado", diz o cientista.

A equipe da Carolina do Norte achou 17,5% de genes de origem "estrangeira" no seu tardígrado. Já os japoneses acharam apenas 1,2%no seu animal microscópico.

Mas estudos posteriores colocaram em dúvida os achados dos americanos. Não só o tamanho do genoma é bem maior do que o esperado, mas é possível que as amostras tenham sido contaminadas por DNA de outros organismos.

A equipe japonesa encontrou quantidades abundantes de proteínas únicas ao tardígrado e também obteve a primeira evidência de que uma proteína exclusiva desses animais, denominada Dsup (supressora de danos, em inglês) protegeu o DNA das radiações e melhorou a tolerância de células humanas cultivadas à radiação.

A proteína Dsup protegeu o DNA sem tornar a célula biologicamente inviável e portanto é bem apropriada para uso futuro, conferindo tolerância à radiação a outras células animais.

Às vezes é a falta de algo que permite a proteção. Por exemplo, a "autofagia" é uma maneira de organismos vivos se "limparem" de componentes celulares danificados. Os pesquisadores suspeitam que o tardígrado evita a destruição excessiva de componentes celulares ao suprimir a indução de autofagia. Isso facilitaria usar moléculas biológicas parcialmente danificadas para voltar a ter atividade celular depois de um processo de ressecamento e reidratação.

"Esperamos que nosso genoma facilite a identificação de muito mais genes e proteínas envolvidas em várias outras tolerâncias", diz Kunieda.

Conhecer os genes relacionados à hipertolerância poderia permitir que outros materiais biológicos tivessem a propriedade. Nada de humanos capazes de tolerar frio, radiação ou acidez, porém. "A tecnologia teria enorme impacto nas formas de preservação e transporte público de materiais biológicos, incluindo medicamentos biológicos como vacinas, ou até mesmo carnes", diz o cientista.


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