Folha de S. Paulo


Raças existem, mesmo que alguns não acreditem, diz jornalista científico

Naum Kazhdan/The New York
O jornalista científico Nicholas Wade
O jornalista científico Nicholas Wade

Já aposentado, com uma das carreiras mais sólidas do jornalismo científico de língua inglesa, o britânico Nicholas Wade, 74, resolveu mexer num vespeiro em seu mais recente livro, "Uma Herança Incômoda", que acaba de ser publicado no Brasil pela Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha.

O subtítulo da obra –"Genes, Raça e História Humana"– diz (quase) tudo.

Com base nos mais recentes dados da genômica, área de pesquisa que está escarafunchando o DNA de seres humanos de todos os cantos do planeta, Wade argumenta que existem diferenças pequenas, porém significativas, entre as raças humanas; defende que a evolução da nossa espécie, em vez de ter "parado no tempo", continuou a todo vapor nos últimos milênios; e especula que as diferentes trajetórias evolutivas de cada raça influenciaram a história do mundo.

Uma Herança Incômoda
Nicholas Wade
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Para ser mais exato, o escritor propõe que variantes genéticas ligadas ao desenvolvimento e funcionamento do cérebro em seus aspectos sociais –principalmente as ligadas à agressividade e à confiança mútua– tiveram um papel importante na gênese de civilizações complexas e populosas em certas regiões do planeta, em especial na Europa e no Extremo Oriente.

Esses "empurrõezinhos" genéticos, ao interagirem com fatores culturais, teriam lentamente levado à atual predominância dos europeus e dos asiáticos, em detrimento de povos como os africanos e os indígenas.

O autor conversou por telefone com a Folha. Veja a seguir a entrevista:

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Folha - Em geral, quando uma área de pesquisa tem resultados muito controversos e que envolvam possíveis implicações políticas, jornalistas de ciência tendem a evitá-la. Por que o sr. decidiu deixar de lado essa praxe da profissão?
Nicholas Wade - Acho que você está correto na primeira parte da sua afirmação –de fato, temos uma tendência a enfatizar os consensos científicos mais sólidos. Acontece que, neste caso, minha sensação era de que um consenso já tinha se desenvolvido, mas simplesmente não estava sendo discutido pelos cientistas.
Senti que era meu dever contar ao público o que estava sendo descoberto sobre a natureza das raças humanas –os fatos estavam todos lá, na literatura científica, mas colocados de uma forma oblíqua, por meio de uma série de eufemismos. Parecia que os cientistas estavam traindo o público e sendo subservientes a uma ortodoxia política que, nas universidades de hoje, inclina-se muito à esquerda.

Quando me refiro à falta de consenso, falo especificamente da ideia de que possíveis diferenças comportamentais entre as raças humanas influenciaram o curso da história. Essa ideia pode até ser plausível, mas por enquanto não há nenhuma evidência direta dela, apenas correlações.
O livro tem duas partes. A primeira, sobre as diferenças genéticas mais gerais entre as raças humanas, não me parece algo controverso. A segunda parte do livro, de fato, é uma conjectura, um palpite bem informado, e ela está claramente descrita como uma conjectura –não acho que o leitor esteja sendo enganado.
O ponto principal é que parece haver uma diferença sutil no comportamento social nas várias regiões do mundo, em especial no que se refere ao nível de confiança entre os indivíduos. Ao longo da história, isso levou ao desenvolvimento de civilizações com características distintas, como podemos ver quando comparamos a civilização chinesa, por exemplo, com a civilização europeia.

Na sua opinião, os dados apresentados no livro deveriam influenciar políticas públicas? O sr. menciona algumas vezes o fracasso da ajuda financeira internacional como mecanismo para fomentar o desenvolvimento da África como um possível sinal de que não basta ter dinheiro ou um bom projeto para transformar um país pobre em um país desenvolvido, já que os entraves ao desenvolvimento também poderiam ser influenciados por fatores genéticos...
Acho que o principal objetivo do livro é simplesmente entender como a história humana caminhou. Com exceção desse exemplo que você citou, não vejo outros casos de impacto claro em políticas públicas. Além disso, não acho que você precise levar a genética em conta para saber que a ajuda financeira internacional não funcionou no caso africano –podemos dizer que há razões culturais para esse fato.

OK, mas quando o sr. traz os dados genéticos para essa equação, a imagem que se cria na cabeça do público ou mesmo dos políticos, que não têm uma compreensão sofisticada da interação complexa da genética com o ambiente, é que, se certos povos têm uma predisposição genética menor a criar uma sociedade moderna e próspera, então não adianta fazer nada: vamos deixar os pobres serem pobres e pronto.
É preciso deixar claro que o comportamento social, embora tenha uma base genética, também é muito plástico. Além disso, o que os dados genéticos têm mostrado, ao revelar a seleção natural atuando em épocas relativamente recentes, é que a evolução pode afetar essa base genética de um jeito muito mais rápido do que imaginávamos antes.
Talvez o grande desafio ao desenvolvimento seja como escapar do tribalismo, que parece ser a estrutura política original da nossa espécie, e encontrar outros sistemas que funcionem melhor. Os próprios europeus eram basicamente tribais há apenas mil anos. Ou seja, essa transição pode acontecer relativamente rápido. Outro ponto importante é que os genes não determinam nosso comportamento, só nos dão um ligeiro empurrão numa direção ou outra.

Se, como o sr. afirma, há um clima intelectual contrário a tentar elucidar essas questões na comunidade científica, o que pensa sobre o futuro desse tipo de estudo?
As pessoas acreditam no que querem acreditar, não no que os fatos indicam. Não acho que mais evidências farão com que os que não aceitam a ideia de raça mudem de opinião. É a mesma coisa com os criacionistas que defendem a verdade literal da Bíblia –as evidências da evolução estão aí aos montes, mas nem por isso eles mudam de ideia. Os cientistas sociais são muito parecidos com os criacionistas nesse aspecto.

Publicar o livro acabou fazendo com que o sr. fosse elogiado por extremistas de direita ou racistas? Como lida com esse tipo de "fãs" constrangedores?
Confesso que não acompanhei essas reações. De fato, algumas pessoas dessas correntes políticas elogiaram o livro inicialmente, mas os que se dão ao trabalho de ler o livro inteiro percebem que sou totalmente contrário ao racismo e acabam não gostando.

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RAIO-X: NICHOLAS WADE

IDADE 74 anos

FORMAÇÃO Graduação em ciências naturais na Universidade de Cambridge em 1964

TRAJETÓRIA Repórter e editor nas revistas científicas "Nature" (1967 -71) e "Science" (1972-82); repórter, editorialista e editor de ciência no jornal "New York Times" (1982-2012).


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