Folha de S. Paulo


Lucy, a famosa australopithecus, morreu ao cair de uma árvore

Pat Sullivan-14.ago.2007/Associated Press
Simulação de como seria a australopithecus Lucy
Simulação de como seria a australopithecus Lucy

Quando o defunto é ilustre e morre em circunstâncias misteriosas, nunca é tarde demais para reabrir as investigações. Lá se vão 3,2 milhões de anos desde a morte de Lucy, mulher-macaca que é a mais famosa ancestral da humanidade, mas pesquisadores americanos finalmente acharam pistas sobre como ela deixou este mundo: caindo do alto de uma árvore, provavelmente.

A chave para a hipótese dos cientistas é o padrão de fraturas no que restou do esqueleto da pequena fêmea da espécie Australopithecus afarensis (ela media apenas 1,1 m, embora já fosse adulta quando morreu).

Eles afirmam que os ossos de Lucy se quebraram de um jeito semelhante ao de pessoas de hoje que caem e tentam aparar a queda colocando as mãos na frente do corpo.

Detalhes da pesquisa acabam de sair em artigo na revista científica britânica "Nature". A equipe liderada por John Kappelman, da Universidade do Texas em Austin, chegou às conclusões depois de realizar exames de tomografia computadorizada no esqueleto da fêmea de hominídeo (que foi emprestado a eles durante um tour por museus dos EUA) e de reconstruir vários dos ossos de Lucy com a ajuda de uma impressora 3D.

UMA MACACA NO SEU GALHO?

O primeiro motivo para postular que a fêmea caiu de uma árvore está na anatomia dos A. afarensis, primatas que já eram totalmente bípedes, como o ser humano moderno, mas que ainda contavam com adaptações ligadas à vida nas alturas. A mais interessante delas talvez seja a curvatura característica dos dedos das mãos, que provavelmente facilitava a tarefa de agarrar os galhos. Além disso, os braços desses australopitecos ainda eram proporcionalmente mais compridos que os nossos.

Levando em consideração o estilo de vida dos grandes macacos de hoje, como os chimpanzés, seria concebível que Lucy e seus parentes passassem parte do dia caminhando pela savana em busca de comida, subindo para a copa das árvores para passar a noite. Chimpanzés, aliás, podem construir seus ninhos arbóreos a alturas de dezenas de metros (a média é de 13 m).

Fraturas por todo o esqueleto da fêmea já eram bem conhecidas antes, mas isso, por si só, poderia não significar muita coisa: os ossos poderiam ter se quebrado por processos naturais –outros animais pisoteando o esqueleto, forças geológicas etc.– ao longo dos milhões de anos desde a morte de Lucy.

Kappelman e companhia, porém, ficaram com a pulga atrás da orelha ou notar que as fraturas nos úmeros (os ossos do braço entre o ombro e o cotovelo) eram do tipo compressivo –como as que acontecem, por exemplo, em idosos com osteoporose que caem para a frente e tentam aparar a queda com os braços estendidos. Eles argumentam que esse tipo de dano ao osso dificilmente seria produzido por fatores naturais, porque está ligado ao movimento vertical da queda.

Outros danos espalhados por todo o esqueleto da criatura poderiam ser encaixados nesse padrão. E, o que é mais significativo, de acordo com os autores do estudo, é o fato de que os estilhaços de osso produzidos pelas fraturas ainda estão presos no lugar. Para os pesquisadores, isso seria um indício de que os ossos foram quebrados no momento da morte de Lucy, quando o periósteo (membrana que reveste o osso propriamente dito) ainda estava intacta. Do contrário, esses fragmentos teriam sido espalhados e se perdido.

Segundo o estudo, é possível que as características "híbridas" dos A. afarensis (nem totalmente terrestres, nem puramente arbóreos) poderiam ter predisposto os membros da espécie a quedas mais frequentes das árvores. "Os pés dos chimpanzés, por exemplo, são órgãos especializados para agarrar objetos, mas nossos pés não são tão móveis, e os de Lucy eram mais semelhantes aos nossos. Por causa disso, ela provavelmente dependia mais de seus braços para escalar", explicou Kappelman à Folha.

A análise das fraturas sugere que ela teria caído praticamente de pé, usando os braços para tentar proteger a cabeça, sem sucesso (veja infográfico). A queda teria sido suficiente para danificar órgãos internos e levar rapidamente à morte. "Analisar essas fraturas me permitiu, talvez pela primeira vez, enxergar Lucy como um indivíduo, como uma pessoa, ainda que não uma pessoa humana, um corpo frágil caído no chão da savana", conta Kappelman.

A hipótese, ao menos por enquanto, não convenceu o homem que achou os restos de Lucy na Etiópia há mais de quatro décadas. "Há inúmeras explicações para a quebra dos ossos. A da queda é só uma história difícil de verificar", disse ao jornal britânico "Guardian" o paleoantropólogo Donald Johanson, da Universidade do Estado do Arizona.


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