Folha de S. Paulo


Pesquisa muda paradigma para o tratamento de paralisia, diz Nicolelis

Pacientes paraplégicos em cadeiras de rodas, com diagnóstico de lesão medular completa, experimentam agora dar passos suaves e ganham sensibilidade em regiões do corpo esquecidas. Contraem voluntariamente músculos, têm melhora na condição cardiovascular, na função intestinal, no controle da bexiga.

O feito surpreendente é resultado de uma terapia holística inédita desenvolvida pelo premiado neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, 55. Dados dos experimentos foram divulgados nesta quinta-feira (11) na prestigiada "Scientific Reports", publicação da "Nature".

"É o resultado mais importante da minha carreira, algo que levou 17 anos para acontecer e acontece aqui no Brasil, onde o trabalho foi feito do começo ao fim. Para minha vida é um marco. Espero que seja um marco para a ciência brasileira", diz Nicolelis à Folha.

União cérebro-máquina recria atividade de músculos e nervos

"Minha maior surpresa foi a magnitude da recuperação. Eu nunca imaginei que veria uma recuperação cruzando três articulações: quadril, joelho e chegando no tornozelo. Estamos começando a viver um momento em que teremos, sim, opções terapêuticas para o sistema nervoso central. E não vão ser necessariamente farmacológicas", declara.

No Projeto Andar de Novo, espaço das descobertas, os pacientes usam versão do famoso exoesqueleto apresentado na abertura da Copa do Mundo de 2014, interface cérebro-máquina, realidade virtual, controlam um avatar de si mesmo. Duas vezes por semana, em intensas sessões de uma hora no laboratório da Vila Madalena, em São Paulo, fazem neurorreabilitação.

"É possível que 2%, 3%, 5% dos nervos ainda sobrevivam ao trauma original. O que estamos descobrindo é que o cérebro aproveita o que tiver sobrado. Se você estimular o cérebro da maneira correta, ele vai falar: ok, eu vou mandar essa mensagem pelo que sobrou", explica Nicolelis

Na sua visão, essa pesquisa deve mudar a conduta no tratamento dos pacientes com lesão medular (25 milhões de pessoas no mundo). "Provavelmente exista um grande número de pacientes –não se sabe quantos ainda, porque a nossa amostra é muito pequena– para os quais haja a possibilidade de algum tipo de recuperação neurológica", afirma.

Desdobramentos do projeto, financiado pelo governo brasileiro, deverão atingir pacientes com Parkinson e epilepsia. "Tenho esperança de tentar aproveitar essa tecnologia em derrame", acrescenta Nicolelis.
"É um presente olímpico. É um presente da ciência e da sociedade brasileira para o mundo. Mostrando que se tem que ousar", afirma o cientista brasileiro.

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A seguir, trechos da entrevista concedida nesta quarta (10) à Folha.

DEPOIS DA COPA

Desde do início, nosso plano era continuar seguindo os pacientes. Começamos o treinamento no final de 2013. Tivemos uma grande surpresa em julho de 2014, totalmente inesperada. Um mês depois da Copa, começamos a notar que os pacientes estavam tendo recuperação de movimentos, contrações musculares abaixo da lesão, o que ninguém esperava em lugar nenhum do mundo. Também estavam relatando melhoria de sensibilidade. Uma paciente chegou e falou: "Eu fui à praia e senti sol na minha perna". Eu olhei para a médica, a médica olhou para mim. Como é possível isso? Sentir o sol queimando pela primeira vez em 14 anos, depois de uma lesão?
Quando se tem uma lesão diagnosticada como clinicamente completa da medula espinhal, abaixo dessa lesão não há movimentos, e a pessoa não tem sensibilidade do seu corpo. Nossos pacientes tinham lesões em diferentes níveis. Durante anos, eles tinham feito exames neurológicos e não havia mudança na sintomatologia da lesão medular abaixo da lesão. Então, nós refizemos o exame neurológico e começamos a contatar colegas pelo mundo. Decidimos manter os exames neurológicos mais rotineiramente; repetimos em setembro. A coisa ficou clara, porque não era só um paciente; eram vários e fomos repetindo.

CHOQUE

No trabalho que estamos publicando nesta semana, relatamos a melhora até o final de 2014, o que já foi surpreendente. Mas essa melhora não parou. Ela continua até hoje, não atingiu um platô ainda, está continuando a crescer. No final de 2014, já notamos uma melhora de sensibilidade corpórea de cinco segmentos da medula, mais ou menos metade do tórax, para baixo da lesão. Então, alguns pacientes que tinham lesão baixa começaram a ter sensibilidade no períneo, nas pernas e começaram a poder contrair voluntariamente os músculos das pernas, do quadril. Foi um choque, ninguém esperava. Estamos seguindo os pacientes até hoje.
Vamos ter um outro trabalho com o relato do final de 2014 até junho de 2016. A melhora sensorial foi de cinco a dez dermatomos [segmentos de pele inervados por raízes de um segmento da medula espinhal]; dobrou em dois anos. Um dos nossos pacientes teve 15 dermatomos de melhora.

NOVO PARADIGMA

É surpreendente ver os registros quantitativos; registramos as atividades individuais dos músculos. A musculatura não estava fazendo nada e, de repente, wow! Temos as medidas de força que os pacientes produzem com as pernas. Isso vai mudar a conduta dos pacientes com lesão medular, criar um novo paradigma.

PACIENTES

São oito pacientes originais, que foram seguidos até o final de 2014. Um dos pacientes mudou de cidade em 2015 e teve que sair do projeto; continuamos com sete. Em dezembro de 2014, metade do grupo, por causa dessas mudanças, foi reclassificado de paralisia completa para paralisia parcial. Uma mudança assim nunca foi relatada na literatura de lesão medular, com esse número de pacientes. Há relatos espontâneos, com um ano, menos de um ano de lesão. Depois de um ano e meio, quando a gente considera o paciente crônico, resultados de melhora dessa magnitude não achamos em lugar nenhum. Agora, em junho, todos os sete já foram reclassificados. Essa melhora não é só sensorial e motora.
Outra coisa muito surpreendente é que a melhora é também visceral. A melhora visceral é paralela à melhora sensorial e motora. Os pacientes tiveram melhora de função cardiovascular. Um deles era hipertenso. Conseguimos reduzir a medicação dele para menos de um terço da original. Todos eles experimentaram uma tremenda melhora da função intestinal tremenda e também do controle da bexiga, conseguindo segurar a urina. A falta de controle esfincteriano é uma condição que traz sérios agravantes, inclusive infecções urinárias. No grupo, o número de infecções urinárias caiu dramaticamente. Um paciente ficou um ano e pouco sem ter infecção urinaria.

REORGANIZAÇÃO CEREBRAL

A combinação de colocar os pacientes de pé, com robôs, com todas as técnicas exo [como o exoesqueleto], mais o uso da interface cérebro-máquina com o feedback tátil rico, levou o cérebro a liberar esse processo de reorganização cerebral, que chamamos de plasticidade, ou seja, reorganizar e reinserir o conceito de caminhar. Se sabia que isso tinha sido quase eliminado. Em 2013, começo de 2014, se pedia para o paciente: "Pense que você vai andar agora, pense que você está mexendo as suas pernas". E nada acontecia com a atividade elétrica do cérebro. Era como se o cérebro não registrasse mais o conceito ou a representação das pernas que todos nós temos.
Na medida em que a recuperação foi evoluindo, fomos vendo que a atividade cerebral foi mudando. Hoje, quando se coloca o paciente no robô e eles imaginam o movimento das pernas, se vê a atividade cerebral modulando adequadamente, se extrai um sinal relacionado ao movimento.

RECUPERAÇÃO NEUROLÓGICA

Existem no mundo aproximadamente 25 milhões de pessoas paraplégicas. É terrível quando essas pessoas recebem um diagnóstico de paralisia completa. Fisioterapeutas, médicos e pacientes sabem que não têm nada a ser feito a não ser tentar a melhor adaptação a uma vida em cadeira de rodas. O que esse resultado faz é mostrar que esse diagnostico não é mais um diagnóstico fechado. Provavelmente exista um grande número de pacientes –não se sabe quantos ainda, porque a nossa amostra é muito pequena– para os quais haja a possibilidade de algum tipo de recuperação neurológica.
O diagnóstico clinico é baseado no que se mede e no que se vê. O paciente não mexe, não sente. Isso não é um diagnóstico anatômico, não quer dizer que toda a medula foi destruída. É possível que 2%, 3%, 5% dos nervos ainda sobrevivam ao trauma original. O que estamos descobrindo é que o cérebro aproveita o que tiver sobrado. Se você estimular o cérebro da maneira correta, o cérebro vai falar: ok, eu vou mandar essa mensagem pelo que sobrou.
Eu acho que é isso que está acontecendo. Estamos ainda tentando fazer estudos de imagem. É muito difícil porque uma década depois da lesão tem cicatriz, um monte de tecido em volta, é difícil de ver qualquer coisa. Estamos tentando usar métodos de realce digital de imagem de ressonância para ver se detectamos pequenos filamentos que sobraram. Se encontrarmos esses filamentos é a prova de que a nossa teoria é factível. Abre possibilidades também do uso dessa técnica em outras lesões do sistema nervoso.

DERRAME, PARKINSON E ALZHEIMER

Tenho esperança de tentar aproveitar essa tecnologia em derrame. Há uma lesão, mas o resto do cérebro está lá. Talvez se tenha chance de aproveitar o que sobrou com essa mesma técnica de retreinamento cerebral para melhorar a qualidade da lesão. No caso do Parkinson, há uma interface cérebro-máquina, a neuroprótese, desenvolvida pelo nosso laboratório na Universidade Duke e aperfeiçoada aqui no instituto de Natal. Já há 50 pacientes no mundo que estão usando a nossa técnica de estimulação da medula espinhal, com muito bons resultados.
Alzheimer é bem diferente, porque há uma lesão difusa e uma morte cerebral muito acelerada. Temos um terceiro trabalho saindo daqui a algumas semanas mostrando o uso da mesma interface que usamos para o Parkinson para epilepsia não tratável. Assim em três grandes moléstias [paralisia, Parkinson e epilepsia] estamos descobrindo aplicações clínicas para as interfaces cérebro-máquina.

SURPRESA

Quando, em 1999, publicamos o primeiro trabalho, eu John Chapin não achávamos que [a interface] seria uma ferramenta terapêutica. A descoberta de que se pode induzir uma melhora clínica é totalmente inesperada, um desses acontecimentos científicos raramente previstos. A maior surpresa foi a magnitude da recuperação. Nos vídeos, se pode ver duas de nossas pacientes. Elas conseguem andar, mover as duas pernas, dar passos voluntários, sincronizados. Claro que são passos delicados; elas têm mais de uma década de lesão. Uma tem 13 anos e outra tem 11 anos. Eu nunca imaginei que veria uma recuperação cruzando três articulações: quadril, joelho e chegando no tornozelo.

TREINAMENTO

As nossas sessões de treinamento eram extremamente intensas, como nunca foram feitas nessa área. A pessoa tinha que realmente imaginar, usar o sinal elétrico do cérebro para controlar ou um avatar de si mesmo ou o exo esqueleto ou o robô fixo. E além disso, tinha que interpretar o feedback tátil, o que foi chave. Nós criamos uma ilusão do tipo ilusão do membro fantasma, que é comum em amputados. Os pacientes começaram a relatar: "Nossa! Eu estou achando que estou andando". Só que eles estavam de pé e parados.

SENSAÇÃO TÁTIL

Vamos relatar em um trabalho que sai daqui um mês quão fina é essa sensação táctil, usando esse visor táctil. Vai ser outra surpresa. São três canais no braço esquerdo, três canais no braço direito. E é uma onda que vai e volta, numa magnitude e num tempo particular para cada paciente. Com isso eles conseguem sentir o chão e discriminar se o chão é grosseiro, liso, asfalto, grama, areia. Isso foi surpreendente, porque são só três canais.
Agora estamos criando uma veste que vai ter centenas de canais, para melhorar a resolução táctil. Acho que esse feedback tátil conferiu um grau de realismo para o cérebro. E aí o cérebro falou: "Ok, eu tenho perna de novo". Além disso, as pernas estavam se mexendo nos equipamentos robóticos, o que faz diferença. Quando uma pessoa vai para uma cadeira de rodas e para de se mexer, todos os receptores que existem nas articulações, nos tendões ficam calados. Então, a medula espinhal para de receber sinais desses sensores.

ANDAR, ANDAR

O que nós fizemos? Colocamos o pessoal para andar. Esses sensores estão vivos, estão lá. Começaram a mandar uma barragem de sinais de volta para a medula espinhal. Se sobrou alguma coisa na medula espinhal, conectando algum nervo ou alguns deles, esse sinal foi para cima. Então o cérebro recebeu os nossos sinais artificiais e alguns dos sinais vindos das pernas dos pacientes. Minha interpretação é de que o circuito falou: Opa! Está de volta! Então vamos fazer mexer. Religou.
Provavelmente houve uma reorganização não só funcional, mas anatômica no microcircuito, tanto na medula espinhal quanto no córtex motor. Temos indicações disso. Toda a vez que se começa a aprender a usar uma interface cérebro-máquina em macacos, começa a haver um aumento de sincronia. É como se o circuito falasse: Ok ganhei uma perna, preciso incorporar essa perna. E nós vimos esse aumento de sincronia nos pacientes. Quando eu vi isso, eu falei: "Bingo! Vai funcionar". Só que não imaginei que iria funcionar do ponto de vista neurológico. Isso foi uma descoberta empírica.

PRESENTE OLÍMPICO

Fico mais orgulhoso é que tudo isso foi feito aqui. Claro que teve colaboração internacional [um mural mostra 156 pessoas de 25 países, 5 continentes]. Meus grandes amigos abriram suas patentes, trabalharam de graça, nenhum cientista sênior recebeu. Mas tudo isso foi pago pelo governo brasileiro, foi realizado no Brasil e começou em Natal. Sem um projeto do CNPQ, não teria acontecido. Os pacientes são brasileiros, a equipe de reabilitação é toda brasileira. Tem roboticista e engenheiro brasileiro.
A "Nature" resolveu dar destaque porque achou que realmente é um marco na medicina e na neurociência. É uma contribuição para demonstrar para o mundo inteiro que a ciência brasileira é capaz de fazer de competir com qualquer lugar do mundo. É um presente. Faz dois anos da abertura da Copa e estamos no meio da Olimpíada no Brasil. É um presente olímpico. É um presente da ciência brasileira, da sociedade brasileira para o mundo. Mostrando que se tem que ousar.
Quando a gente propôs esse projeto, houve um chiado: "O Brasil não sabe fazer essas coisas, somos gente pequenininha, humilde". Eu não acredito nisso, nunca acreditei. A gente tem que ousar. Se tivéssemos feito o que todo mundo estava fazendo, não iríamos chegar nesse resultado. Gente de todo mundo visita o nosso laboratório de neurorreabilitação robótica, sem igual no mundo. Aqui tem robótica, ciência da computação, neurociência, neurorreabilitação clínica, tudo misturado no mesmo ambiente. Tem também a expertise da interface cérebro-máquina, que só tem na Universidade Duke. Só que na Duke não tem um laboratório como esse.

SOCIALIZAÇÃO DE RESULTADOS

Um australiano fez acompanhamento de 1.200 pacientes com lesão medular até o fim da vida. Em 60% dos casos, havia sobrado entre 2% e 20% da medula intacta. Ou seja, existem nervos. Se for assim, e o nosso trabalho comprova, se pode tirar vantagem desses nervos que sobraram. Não vai ser todo mundo. Se a lesão é totalmente completa, se tem que usar a interface cérebro-máquina como se tinha pensado no passado.
Nos casos que sobrou algo, acho que é o que estamos vendo nesses pacientes. Estamos em contato com centros de reabilitação no mundo inteiro. Nossa ideia é distribuir esse protocolo, fazer parcerias e testar de novo. Aqui já temos um segundo grupo de oito pacientes. Também estamos tentando começar mais cedo. Em vez de pegar o paciente dez anos depois da lesão, queremos começar com o paciente um ano e meio depois. Porque a perspectiva de plasticidade, pelo menos do ponto de vista teórico, é maior.

INVESTIMENTO ESTATAL

Não existe outra opção. Em todo o lugar do mundo, é tudo feito pelos governos. Recebi convite para apresentar esse projeto para o projeto de Barack Obama, o Brain Iniciative. Lá, eles apostaram em criar tecnologia. Aqui, apostamos em aplicar ciência para melhorar a vida do ser humano. Essa diferença é brutal. É uma diferença filosófica essencial. Se não se aplica para o bem do ser humano qual é o ponto de fazer ciência?
É muito importante aprender sobre o cérebro. Sou um cientista básico. Quando fui para a faculdade de medicina, em 1979, me disseram: "Não faça neurologia. Porque se faz um diagnóstico maravilhoso e não tem o que fazer. Uma lesão no sistema nervoso central não tem tratamento". Essa era a filosofia. Estamos começando a viver um momento onde, daqui para frente, nós vamos ter, sim, opções terapêuticas para o sistema nervoso central. E não vão ser necessariamente farmacológicas. Porque é muito complicado achar um remédio que atue especificamente num lugar só do cérebro.

ABORDAGEM HOLÍSTICA

Aqui fazemos uma abordagem holística. Queremos atingir o sistema nervoso como um todo. Não acredito que se possa entender o cérebro com o mesmo método reducionista que se usa em física ou em biologia. O cérebro é um sistema emergente adaptativo. É uma grande democracia que depende da interação de uma centena de bilhões de elementos que estão trocando informação. Numa metáfora, o cérebro é a única orquestra que a gente conhece que, no momento que produz uma nota musical, altera os instrumentos que produziram a nota. Então, a próxima nota vai ser produzida por instrumentos diferentes em tempo real. No cérebro, o que interessa é a dinâmica. É o sistema mais dinâmico biológico que se conhece. Qualquer terapia para o cérebro tem que levar em conta essa dinâmica.

IDEIA

A ideia surgiu em 1998, com John Chapin. Era pesquisa abstrata mesmo. Queríamos um novo paradigma para dissecar funcionalmente a dinâmica de circuitos neurais. Esse é o maior trabalho da minha vida. Não só pela ciência, mas pelo fato de que foi feito aqui, em um laboratório que não existia, que foi criado em seis meses. Quando houve a decisão de que faríamos a demonstração na Copa, tínhamos 18 meses. Não tínhamos laboratório aqui em São Paulo, não tínhamos pacientes, exoesqueleto, protocolo. E, em 18 meses, fomos para uma demonstração que deixou o mundo inteiro extremamente comovido e emocionado. Porque entendeu que aquilo era um gesto humanitário simbólico do Brasil para ao mundo, mostrando que mesmo num evento esportivo existe espaço para se presentear a humanidade com a esperança.
É o resultado mais importante da minha carreira. Algo que levou 17 anos para acontecer e é aqui. Estou há 30 anos nos EUA, mas esse trabalho foi feito no Brasil do começo ao fim. Tem um simbolismo. Para minha vida é um marco. Espero que seja um marco para a ciência brasileira. Foi um esforço muito grande, o Brasil acreditou, a Finep acreditou. O governo brasileiro à época falou que era importante, que a imagem do país tinha que ser ciência, inovação, tecnologia.
Enfrentamos obstáculos. Meus colegas de fora do Brasil ficam chocados pelo que a gente teve que passar. Mas tudo valeu a pena. Porque demonstramos didaticamente o que é um processo de geração de conhecimento de ponta. Isso é possível. O Brasil tem milhares de cientistas brilhantes. Matemáticos, físicos, engenheiros, neurocientistas, médicos, geólogos. A ciência brasileira é reconhecida.

TEMOR POR CORTES?

Eu nunca temo nada, nunca sofro por antecipação. Jogava bola na rua em São Paulo e minha vó falava: "Faça o que tem que fazer, mas não volte chorando". Aprendi que na vida não dá tempo para temer nada. Se você quer fazer algo na vida, tem que ir em frente.

SOBERANA NACIONAL

A ciência não pode mais ser tratada como algo abstrato, um castelo de marfim no céu, algo que se faz por diletantismo intelectual. A ciência do século 21 vai decidir que nações são soberanas e que nações sobrevivem enquanto nações e que nações vão se transformar em vassalos. Há 20, 30 anos, se perdêssemos o trem, ainda dava para recuperar, como o Brasil recuperou em várias áreas. Mas perder o trem agora é irreversível. A distância vai ser exponencialmente maior e não tem como voltar. Se o país tiver que importar tudo que é vital, se tiver que ficar na mão de outros países para definir o seus programas espacial, energético, eletrônico, robótico, nanotecnológico, biotecnológico é o fim. Pode até mudar o nome do país. Se fizer essa opção, não vai ter sentido chamar de país independente.
Não é fenômeno só brasileiro. Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial os EUA estão prestes a perder a primazia do PIB científico mundial. Eles tinham uma política estratégia de nação de se manter acima dos 30% do investimento do PIB mundial em ciência. Só que a China, daqui a três anos, vai passar os EUA. A Ásia como um todo já passou. Os EUA, pela primeira vez, estão com 27% do PIB mundial de ciência.
Essa é uma discussão estratégica. A índia quer incluir na próxima década 300 milhões de pessoas no ensino superior. É a população dos EUA. A China quer criar mais de mil campi de engenharia digital para formar engenheiros. Eles definiram metas de 20, 30 anos. Os chineses e indianos vão para cima porque sabem que é a única esperança que eles têm. Esse é um debate que qualquer nação que quer se preservar enquanto nação e enquanto cultura tem que ter.
Ciência Sem Fronteira é um projeto estratégico. Encontrei jovens no mundo inteiro. A ciência brasileira que ser debatida pela sociedade brasileira. A sociedade tem que entender que ciência é vital, essencial, que a ciência é dela, é uma proteção. Porque se não dominarmos a indústria do conhecimento de ponta do século 21, quem vai pagar o preço é a sociedade brasileira. De várias maneiras: custo alto para tudo, saúde, energia, comida.


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