Folha de S. Paulo


Nasa usa submarinos espaciais para explorar oceanos congelados em luas

NASA
Explorar os oceanos da lua Europa, de Júpiter, seria mais complicado do que investigar mares da lua Titã, de Saturno
Explorar oceano da lua Europa (Júpiter) seria mais complicado que investigar mar da lua Titã (Saturno)

Um dos avanços mais emocionantes das últimas décadas na ciência planetária é o descobrimento de lagos e oceanos nas luas de Saturno e Júpiter. O que pode surpreender mais ainda é que alguns desses reservatórios de "água" poderiam abrigar vida.

Infelizmente, isso é quase tudo o que sabemos sobre o que pode existir nesses locais. Então como explorar esses oceanos? Uma ideia em análise é o desenvolvimento de submarinos espaciais.

A Nasa (agência espacial americana) destinou US$ 500 mil para investigar a possibilidade de enviar submarinos a Titã, uma das luas de Saturno. E há outras iniciativas para explorar as profundezas de Encélado, de Saturno, e Europa, lua de Júpiter. E há tecnologia disponível para tais missões?

Estima-se que Kraken Mare, com uma área de 400 mil quilômetros quadrados, seja o maior oceano de Titã. Mas não está cheio d'água: há evidências suficientes para afirmar que se trata de um lago de metano, etano e nitrogênio.

Um submarino para investigar esse oceano maior do que o mar Cáspio da Terra seria parecido com os que usamos em nosso planeta, que minimizam o arrasto (força de resistência ao movimento de um objeto sólido através de um fluido) e podem ser adaptados a veículos de lançamento.

O problema seria o funcionamento do equipamento em Titã: missões espaciais operam de forma autônoma, e um submarino não seria diferente. Contudo, como os sinais de micro-ondas e de rádio são absorvidos com facilidade pelos oceanos, o submarino teria que emergir várias vezes para enviar sinais de volta à Terra.

Outro tema a solucionar seria a fonte de energia, já que painéis solares hoje usados em sondas não seriam apropriados.

OPÇÕES

Algumas das partes mais rasas de Kraken Mare possuem de 30 a 40 metros de profundidade, mas outras podem alcançar 150 metros. Em estudo recente, engenheiros analisaram a possibilidade de usar reatores nucleares compactos e células de combustível, mas concluíram que seriam muito pesados.

Como alternativa, propuseram que a eletricidade poderia ser gerada a partir da desintegração radioativa de plutônio, técnica parecida com a da sonda espacial Cassini, que investiga Saturno.

Diferentemente de nossos oceanos, o metano líquido de Titã possui metade da densidade da água, e a gravidade dessa lua é sete vezes mais fraca do que a da Terra, sendo mais próxima da gravidade da nossa Lua.

Deste modo, submarinos que desçam a 150 metros nos oceanos de Titã não estariam submetidos à mesma pressão se estivessem em situação similar na Terra. Talvez o mais difícil seja controlar a temperatura dentro do submarino. Até em um mar a -180ºC, a desintegração radioativa do plutônio produz muito calor, que precisaria ser dissipado.

Se o objetivo for a lua Europa –de Júpiter– a dificuldade aumenta. O oceano de água salgada fica sob uma crosta de gelo de dezenas de quilômetros de espessura. Mas a dificuldade de submergir ali não torna essa viagem menos interessante, pois a presença de água é condição para existência de vida e essa lua representa uma possibilidade promissora de um lugar habitável fora da Terra.

Também é possível que outras luas de Júpiter, Saturno, e possivelmente Urano e Netuno, também tenham água líquida no subsolo. Mas a necessidade de atravessar pelo menos 5 km de gelo torna uma possível missão a Titã uma tarefa complicada.

Para submergir um submarino nos oceanos de Europa seria preciso usar equipamentos conhecidos como cryobots, peças metálicas que são capaz de penetrar no gelo, derretendo o material e permitindo que a gravidade empurre o robô para dentro.

Com uma fonte normal de energia, essa tarefa não levaria mais do que cinco minutos. Mas enviar uma fonte típica de energia ao espaço não é algo fácil. Com a quantidade de energia disponível na maioria das naves espaciais, um cryobot levaria oito anos para atravessar a crosta de gelo de Europa.

Uma opção seria empregar um reator de fusão nuclear, que faria o trabalho em cerca de seis semanas. Mas esse tipo de reator não cabe em um cryobot –um problema que se resolve, outro que se cria.

ALTERNATIVA

A opção que os especialistas analisam hoje é deixar um reator na superfície e enviar um cryobot com uma fonte de energia em forma de luz, através de um cabo de fibra ótica.

Quando o cryobot chegasse ao oceano, lançaria o submarino. A comunicação com o cryobot se daria por ondas sonoras (mais ou menos como fazem as baleias). Tais mensagens seriam enviadas de volta ao veículo de superfície, que as transmitiria à Terra. Incrivelmente, essas ideias já foram testadas na Antártida.

Um dos desafios é a destinação de sedimentos que se acumulariam na parte dianteira da sonda, à medida que o gelo fosse derretendo. Outro é a esterilização de todos esses objetos para evitar qualquer contaminação a um ambiente que pudesse abrigar vida.

Ou seja, há grandes obstáculos pela frente, mas a Nasa parece estar disposta a enfrentá-los. Em tese, uma missão a esses misteriosos oceanos poderia ocorrer por volta de 2040.

(*) Chris Arridge é conselheiro do Conselho de Instalações de Ciência e Tecnologia (STFC, na sigla em inglês) do Reino Unido e da Agência Especial do Reino Unido.


Endereço da página:

Links no texto: