Folha de S. Paulo


Voraz tartaruga pré-histórica de Pernambuco foi 'rainha dos mares'

Julio Lacerda/Divulgação
Concepcção artística da tartaruga pré-histórica _Inaechelys pernambucensis_
Concepcção artística da tartaruga pré-histórica Inaechelys pernambucensis

A vida no Paleoceno –período após o impacto que extinguiu os dinossauros e uma boa parte dos répteis da Terra– não era nada fácil. Uma espécie de tartaruguinha carnívora recém-descoberta pelos cientistas, porém, resistiu e prosperou mesmo no inóspito mar pré-histórico do que hoje é Pernambuco.

Apesar de pequena –tinha apenas cerca de 50 cm de comprimento–, essa pernambucana pré-histórica conseguiu se desenvolver em um dos períodos mais complicados do planeta, em que a competição por alimentos e recursos era feroz.

"Ainda não podemos determinar o motivo específico para ela ter sobrevivido, mas as tartarugas sobreviveram a várias extinções. A carapaça tem uma função de proteção importante", diz Anny Carvalho, doutoranda em geologia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e autora principal do trabalho que descreve a espécie, publicado na revista "Zootaxa".

Não por acaso ela foi batizada de Inaechelys pernambucensis, que significa "a tartaruga rainha do mar de Pernambuco". O nome escolhido também é uma referência proposital à divindade Iemanjá. Segundo as pesquisadoras, foi uma maneira de homenagear a cultura afrobrasileira do Nordeste.

Para a paleontóloga da UFPE Aline Ghilardi, que participou do trabalho, o porte pequeno e a alimentação variada da Inaechelys contribuíram para sua sobrevivência.

"Ela provavelmente era carnívora, mas tinha uma alimentação bem generalista, o que ajuda na sobrevivência. Animais com hábitos alimentares muito específicos costumam ser mais facilmente afetados", explica.

Segundo Ghilardi, o estudo da nova espécie ajudará a dar pistas importantes sobre a evolução das tartarugas e de outros animais.

peça fundamental

"Ela [I. pernambucensis] é uma sobrevivente e o seu estudo é uma peça fundamental para entender como a biota se recuperou após essa grande extinção", afirma.

Embora tenha sido rainha há 62 milhões de anos, a espécie não tem relação com as tartarugas marinhas atuais. Uma hipótese é que ela pode ter sido suplantada por outras mais adaptadas à vida marinha, especialmente para se locomover a grandes distâncias e profundidades.

Os parentes da I. pernambucensis que ainda vivem por lá são tartarugas de água doce, incluindo a tartaruga-de-cabeça-grande-do-Amazonas (Peltocephalus dumerilianus).

Entre as já extintas, há registros muito semelhantes com fósseis de tartarugas marinhas encontrados em Portugal. "Essas tartarugas tinham hábitos costeiros, não nadavam a grande profundidade. Isso indica que havia uma passagem, uma maior proximidade entre aquela parte da Europa e o Nordeste do Brasil. Isso é mais um reforço que indica a ligação dos continentes", diz a paleontóloga Aline Ghilardi.

O fóssil –uma parte da carapaça e alguns ossos da cintura– foi encontrado na chamada pedreira Poty, cerca de 30 km ao norte do Recife. A descoberta foi possível porque a mineradora tem uma parceria com os cientistas, enviando periodicamente material de interesse para a universidade.

Raio-X

Inaechelys pernambucensis

Onde
Pedreira Poty, 30 km a Norte de Recife

Tamanho
Cerca de 50 cm

Hábitos
Carnívora, vivia na costa

Por que é importante
Enquanto vários répteis gigantes desapareceram do ambiente em que ela vivia, sua linhagem permaneceu. Ela reinou solitária, em uma paisagem empobrecida por conta da grande extinção no fim do Cretáceo.


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