Folha de S. Paulo


Cientistas brasileiros testam couro da tilápia contra queimaduras

Cientistas brasileiros acreditam que o couro da tilápia, um peixe de água doce muito comum no país, pode ajudar no tratamento de vítimas de queimaduras.

Uma pesquisa com animais, que durou um ano e acaba de ser concluída, mostrou que o uso da pele do peixe como alternativa ao tratamento é eficaz.

Os resultados foram apresentados no começo deste mês na 2ª Jornada Carioca de Queimaduras e publicados na "Revista da Sociedade Brasileira de Queimaduras".

Hoje, o tratamento de vítimas de queimaduras é feito à base de sulfadiazina de prata, substância que cicatriza os ferimentos num período de 14 dias, em média.

Tilápia para a pele

Segundo o cirurgião plástico e coordenador do SOS Queimaduras e Feridas do Hospital São Marcos, no Recife, Marcelo Borges, a expectativa é de que o uso do couro da tilápia proporcione outras vantagens ao paciente.

"O uso da pele do peixe provoca a cicatrização no mesmo período que as pomadas utilizadas hoje. Mas é uma alternativa que, além disso, pode amenizar as dores, diminuir a perda de líquido e reduzir drasticamente o risco de infecção", diz.

Os pesquisadores descobriram semelhanças do couro da tilápia com a pele humana, como grau de umidade, alta qualidade de colágeno e grande resistência. Estudos anteriores tinham testado peles de animais terrestres –descartados pelo maior risco de contaminação.

ARTESANATO

A ideia de utilizar o couro da tilápia na cicatrização de queimaduras surgiu a partir de uma reportagem publicada no Recife sobre o uso da pele do peixe na confecção de peças de artesanato e acessórios como bolsa e sapatos.

A delicadeza e a resistência do material chamaram a atenção do cirurgião. O médico vislumbrou, então, a possibilidade de utilizar a pele como curativo biológico.

"Semanas depois de ler a matéria assumi a coordenação do banco de pele do Imip [Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira]. Comecei a trabalhar com a descontaminação da pele humana e a pensar na possibilidade de fazer o mesmo com a tilápia", diz Borges.

A proposta de desenvolver a pesquisa ganhou o apoio financeiro de Edmar Maciel, presidente da ONG Instituto de Apoio ao Queimado do Ceará. A Coelce (Companhia Energética do Ceará) também entrou como parceira.

Com a ajuda do pesquisador Odorico Moraes, coordenador do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará, e do cirurgião plástico Nelson Piccolo, de Goiás, Marcelo Borges concluiu a elaboração do protocolo de captação da tilápia e descontaminação da pele.

Os peixes usados no estudo são cultivados no Açude Público Padre Cícero, o Açude Castanhão, em Jaguaribara (CE), a 250 quilômetros de Fortaleza. De cada peixe é possível extrair 400 centímetros quadrados de pele.

O material removido é lavado para a retirada de resquícios de tecidos musculares. Posteriormente, a pele da tilápia é colocada em banho-maria dentro de uma solução composta por um antisséptico para a descontaminação.

O couro limpo é armazenado e enviado para o Instituto de Pesquisas em Energias Nucleares da USP. Sob a coordenação da pesquisadora Monica Mathor, os tecidos são irradiados por cobalto 60, que libera ondas eletromagnéticas capazes de exterminar organismos vivos.

A pele esterilizada tem validade de dois anos desde que acondicionada a 4°C.

Os testes em humanos começarão a ser feitos em julho deste ano, quando mais de 500 pessoas começarão a ser submetidas ao procedimento sob a coordenação da pesquisadora Elizabete Moraes. A princípio, pacientes da unidade de queimados do hospital José Frota, em Fortaleza, serão os primeiros a testar a nova técnica.


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