Folha de S. Paulo


Sexo com outras espécies no passado remoto deixou marcas em nosso DNA

Frank Franklin/Associated Press
Reconstrução de um crânio do homem de Neanderthal

A vida sexual na pré-história era bem mais variada do que se imaginava. Um estudo do material genético do homem moderno e de dois ancestrais humanos –neandertais e denisovanos– mostrou que em vários momentos e em vários continentes houve sexo entre eles.

Um pequeno porcentual de genes desses ancestrais humanos extintos ainda está presente no ser humano moderno, mas em diferentes proporções, revelando a história das migrações do passado.

Fósseis já haviam demonstrado que houve convivência entre o homem moderno e seus primos arcaicos encontrados em cavernas, o homem de Neanderthal (Alemanha) e o de Denisova (Sibéria, na Rússia). O DNA agora revela que houve farto sexo.

Os neandertais foram primeiro descobertos em 1856 e desde então foram achados fósseis, incluindo crânios bem preservados, em boa parte da Europa e Oriente Médio. Já os denisovanos são conhecidos apenas desde 2008. Do homem de Denisova existem somente dois dentes, um osso de dedo da mão e outro de dedo do pé, com entre 40 mil e 50 mil anos de idade.

"Os denisovanos são a única espécie de humanos arcaicos sobre a qual nós conhecemos menos por evidência fóssil e mais por seus genes que aparecem em humanos modernos", afirma Joshua Akey, líder da equipe de pesquisa, da Universidade de Washington, Seattle (EUA).

A equipe internacional de pesquisadores analisou os genomas de 1.523 indivíduos, com destaque para a inédita inclusão de 35 pessoas da região do Pacífico conhecida como Melanésia, nas ilhas Bismarck, ao largo da Papua Nova Guiné. O estudo está publicado na revista "Science".

Usando complexas técnicas estatísticas foi possível concluir que populações não-africanas, principalmente asiáticas e europeias, têm entre 1,5% a 4% de genes de neandertais. Já os melanésios foram a única população a ter entre 1,9% a 3,4% dos genes de Denisova. O ser humano chegou à Melanésia há cerca de 48 mil anos.

A análise também mostrou que houve pelo menos três momentos de "inserção de genes" –isto é, sexo– de neandertais no DNA do homem moderno, e uma vez de genes denisovanos. Uma pesquisa no mês passado em um fóssil neandertal indicou a presença de genes do homem moderno 100 mil anos atrás.

Essa precoce relação provavelmente aconteceu primeiro no Oriente Médio, quando o homem moderno migrou da África. Evidências de uma segunda "inserção" aparecem depois, segundo o genoma de asiáticos e europeus. O terceiro caso teria envolvido ancestrais dos asiáticos do sul e do leste em algum ponto do continente. E na mesma região os ancestrais dos melanésios adquiriram genes de Denisova.

Muito antes, neandertais e denisovanos também teriam tido relações há 440 mil anos, como revela o estudo atual.

Os genes arcaicos podem ter sido importantes para a adaptação do homem moderno em suas migrações para locais com clima, doenças e dietas diferentes –é o caso de genes ligados ao reconhecimento pelo sistema imunológico de vírus, ou ligados ao metabolismo de açúcares e gordura.

O que não existe no genoma também dá pistas da evolução humana –locais onde não existem traços de genes arcaicos, e que são importantes para o homem moderno, como o domínio da linguagem e o desenvolvimento do cérebro e da sinalização cerebral.

Neandertais e humanos modernos tinham corpos bem diferentes. O neandertal tinha um corpo atarracado, pele clara e provável cabelo ruivo; o homem moderno era mais esguio e, saído da África, tinha pele escura. Quase nada se sabe do "visual" denisovano. Apesar das diferenças, seja como for, fizeram sexo e tiveram descendentes férteis. Como diz a letra de uma música do trio Crosby, Still e Nash, "se você não pode estar com quem ama, ame com quem você está".


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