Folha de S. Paulo


Macacos controlam cadeira de rodas com o pensamento

Utilizando apenas o pensamento, macacos deslocaram-se, usando uma cadeira de rodas motorizada, até a recompensa –no caso, um pote com uvas.

O experimento foi liderado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade Duke (EUA), e publicado na revista "Scientific Reports", do grupo Nature. É mais uma etapa de sua pesquisa sobre o uso de interfaces cérebro-máquina para reabilitação e auxílio de pessoas com deficiências físicas.

Segundo o artigo, os resultados dos testes em animais demonstram que a técnica poderia ajudar pessoas paralisadas no futuro.

Nicolelis já havia publicado, em 2013, o resultado de um experimento no qual dois macacos rhesus com microeletrodos implantados no cérebro conseguiram movimentar dois braços virtuais em um avatar no computador.

No novo estudo, também foram usados dois macacos rhesus com microeletrodos implantados no cérebro. Os animais fizeram, inicialmente, uma espécie de treinamento da interface cérebro-máquina -sentados na cadeira de rodas, os primatas apenas a observaram se movimentar por uma rota pré-programada de cerca de dois metros até o pote com uvas.

Scientific Reports/Reprodução
Esquema em que macaco movimenta cadeira de rodas para obter recompensa. Estudo de Miguel Nicolelis

Durante essa fase, os cientistas registraram a atividade cerebral dos macacos, que era enviada para um receptor sem fio. Depois os pesquisadores programaram um computador para traduzir os sinais cerebrais em comandos que controlavam a cadeira.

Na próxima etapa a cadeira de rodas teve seu modo de operação alterado que fosse controlada via cérebro. Os macacos então pensavam em andar até a recompensa e a interface cérebro-máquina traduzia o pensamento dos animais em movimentos.

Scientific Reports/Reprodução
Macaco em três momentos distintos, durante trajetória em busca da recompensa (uva). Ele partiu de três posições distintas e em conseguiu chegar ao destino.
Macaco partiu de três posições distintas e conseguiu chegar ao destino.

Com o tempo, os macacos melhoraram a habilidade em controlar a cadeira, o que pode ter sido mediado por mudanças estruturais do cérebro em resposta ao treinamento.

O artigo aborda ainda a aplicação do implante de eletrodos cerebrais em humanos. Para Nicolelis e colegas, mais experimentos em animais serão necessários até que essa técnica possa ser oferecida às pessoas.

O cientista comandou o projeto Andar de Novo, que envolvia o pontapé inicial na abertura da Copa do Mundo de 2014 por uma pessoa paraplégica vestindo um exoesqueleto comandado por sinais cerebrais, captados via EEG (eletroencefalografia, método não invasivo).

Segundo os autores, sistemas não invasivos para comandar cadeiras de rodas têm uma taxa de sucesso aceitável (80%) em tarefas que envolvem caminhos pré-definidos e "não podem ser considerados como a solução final para o uso clínico no futuro".

"Como o design de uma cadeira de rodas baseada em EEG suporta apenas um controle discreto, ele é claramente insuficiente para gerar trajetórias que podem mudar (...). Ainda assim, por causa de seu baixo risco, sistemas baseados em EEG continuarão sendo a abordagem dominante por um tempo, e até poderão ser expandidos para novas aplicações, como exoesqueletos. No entanto, conforme os sistemas intracranianos ganhem segurança e eficácia, eles provavelmente se tornarão mais atraentes para paciente e clínicos", escrevem.

PONTAPÉ INICIAL

Questionado em entrevista no programa "Espaço Público", da TV Brasil, sobre a demonstração prevista para acontecer na cerimônia de abertura da Copa do Mundo –uma pessoa paraplégica se levantaria, andaria e chutaria uma bola–, Miguel Nicolelis disse que ela não ocorreu porque "a Fifa não permitiu". "No Brasil criou-se uma certa polêmica porque a Fifa realmente nos tratou muito mal."

Segundo o cientista, dos três minutos inicialmente acordados, a entidade decidiu manter, "unilateralmente", dois dias antes do evento, apenas 29 segundos, inadequados para uma demonstração com segurança, afirmou.

"Esse era o acordo final, dois dias antes, de um projeto de 18 meses. [...] O erro não foi nosso, porque tivemos de fazer uma demonstração com o que nos foi oferecido", afirmou.

Nicolelis afirmou ainda que imagens de bastidores do projeto serão exibidas em um documentário no futuro. Questionado sobre estudos com resultados em humanos do projeto Andar de Novo, o cientista disse que eles foram submetidos para publicação em revistas científicas e serão tema de um livro a ser lançado.


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