Folha de S. Paulo


Cientistas brasileiros criticam uso de peixe contra larvas do aedes

Um grupo de cinco pesquisadores incluindo brasileiros e estrangeiros publicou uma carta na revista científica "Science" criticando o uso de peixes no controle das larvas de mosquito, notadamente o Aedes aegypti, transmissor de doenças como dengue, zika e febre amarela.

A espécie mais usada para essa finalidade é o Poecilia reticulata, também conhecido como "guppy" (barrigudinho) ou como "mosquito fish" (peixe mosquito).

É um peixe pequeno: as fêmeas, que podem chegar a seis centímetros de comprimento, são maiores que os machos, que atingem meros 3,5 cm. Nativo do norte da América do Sul (incluindo a Amazônia brasileira, mas não o resto do país) e do Caribe, ele foi descrito pela primeira vez na Venezuela.

H. Krisp
O peixe barrigudinho, espécie mais usada contra o aedes
O peixe barrigudinho, espécie mais usada contra o aedes

A espécie hoje é comum em muitos países, seja por sua introdução acidental –o barrigudinho é popular em aquários domésticos–, seja proposital, como tentativa de controle de mosquitos.

"Diversos municípios brasileiros têm encorajado o uso de espécies não nativas do gênero Poecilia como forma de controle do A. aegypti, uma vez que eles comem suas larvas. Essa estratégia é equivocada", escreveram os pesquisadores na carta, cujo principal autor é Valter M. Azevedo-Santos, do Laboratório de Ictiologia, Departamento de Zoologia, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu (SP).

Os pesquisadores consideram que, por serem espécies invasivas, esses peixes afetam a biodiversidade dos rios e lagos, diminuindo a presença de espécies nativas. O Aedes aegypti, no entanto, também é uma espécie invasiva.

Embora esteja muito longe de ser um predador no topo da cadeia alimentar, o "barrigudinho" provoca estragos quando inserido. Ele pode, por exemplo, se alimentar de ovos de outras espécies, ou transmitir vermes aos peixes nativos. Essas interferências já foram observadas nos Estados americanos de Nevada, Wyoming e Havaí.

O pequeno peixe também é prolífico. Em vez de colocar ovos na água, os ovos de Poecilia são gestados dentro do corpo da mãe, e literalmente "ejetados" na hora do nascimento. Nascem minúsculos, pouco maiores que um grão de arroz, mas já aptos para nadar, se esconder e procurar comida (em suma, para tentar sobreviver).

"O uso de espécies não nativas para manejar outros organismos não nativos também levou a consequências não intencionais, e interações positivas entre espécies invasoras podem tornar o ambiente mais vulnerável a uma invasão secundária", argumentaram os autores.

"Se os políticos locais insistirem no uso de peixes para abater a população do mosquitos, eles devem escolher entre a rica diversidade de espécies aquáticas do Brasil. No entanto, a eficácia de controle de mosquitos por peixes é questionável", conclui a equipe, que incluiu os professores Jean R. S. Vitule, da Universidade Federal do Paraná e Fernando M. Pelicice, da Universidade Federal de Tocantins.

Doenças transmitidas pelo Aedes aegypti


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