Folha de S. Paulo


Após 1ª detecção, começou a corrida para achar mais ondas gravitacionais

A primeira detecção de ondas gravitacionais, anunciada na última quinta (11), deve causar uma corrida tecnológica e científica. Afinal, mais do que oferecer a enésima confirmação para a já consagrada teoria de Einstein, ela oferece uma nova forma de estudar eventos astrofísicos antes inacessíveis. Começa uma nova era: a da astronomia de ondas gravitacionais.

Não por acaso, David Reitze, diretor-executivo do Ligo (Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro de Laser), comparou o achado às primeiras observações do céu feitas com o telescópio, por Galileu, há 400 anos. Agora os cientistas também poderão encarar o Cosmos de uma nova maneira.

Não fosse a capacidade dos detectores gêmeos do Ligo, jamais saberíamos daquele par de buracos negros e sua espetacular colisão que gerou as ondas gravitacionais detectadas aqui.

A partir de setembro, outro detector com sensibilidade similar –Virgo, na Itália– entrará em operação. Com os três trabalhando juntos, não só haverá maior redundância para confirmar a descoberta como surge a possibilidade de indicar com maior precisão de onde no céu o sinal está vindo.

sistema Ligo

NO BRASIL

A detecção também deve motivar uma nova mobilização entre os grupos de pesquisa que trabalham com o tema. Além de estar na colaboração Ligo, Odylio Aguiar, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), é responsável pelo projeto Schenberg (em homenagem ao físico brasileiro Mário Schenberg, grande estudioso da física de buracos negros) e instalado atualmente no Instituto de Física da USP, em São Paulo.

O detector consiste numa esfera metálica resfriada a temperaturas próximas do zero absoluto (-273°C) e é equipada para detectar a vibração produzida pela passagem de ondas gravitacionais.

Sua primeira operação se deu em 2006 e, embora o desempenho tenha se mostrado melhor do que o esperado, ainda estava muito aquém da sensibilidade requerida para uma detecção. Melhorias foram feitas na última década, e agora o detector trocará de casa."Estamos transferindo a antena para o Inpe, em São José dos Campos, neste ano e pretendemos melhorar sua sensibilidade", disse Aguiar à Folha.

A ideia é apoiar a antena em diferentes estruturas de concreto, o que deve fazer com que o ruído (gerado por pessoas andando no ambiente, por exemplo) seja reduzido. Outras providências serão chumbar as bombas de vácuo na parede e adotar o uso de tubos flexíveis. Além disso, alguns dos sensores estão sendo melhorados para ficar mais eficientes em detectar sinais. O esperado é que demore dois anos para que a montagem no Inpe esteja finalizada.

"A informação desse detector é rica e extremamente útil porque localiza no céu o sinal com precisão, independente de qualquer outro aparelho", afirma Aguiar.

Em paralelo, um projeto latino-americano começa a nascer. "Estamos em conversa com argentinos e mexicanos para a proposta de construção de um interferômetro subterrâneo na América do Sul, que entraria em funcionamento depois de 2030."

Projetos similares, baseados em vários designs estão em desenvolvimento no mundo todo (veja mais abaixo).

NO ESPAÇO

Também há perspectiva de construir plataformas espaciais para detecção de ondas gravitacionais. O desafio é grande, pois o ambiente não dá margem para muitos erros. Em compensação, muitas das perturbações que afetam os detectores em terra não existem por lá.

ondas gravitacionais

Em dezembro, a ESA (Agência Espacial Europeia) lançou o satélite Lisa Pathfinder justamente para testar as tecnologias necessárias para levar um detector de ondas gravitacionais no espaço.

E por que todo esse interesse pelas ondas gravitacionais? Além de demonstrar a existência de buracos negros –o que foi feito na primeira detecção–, elas também podem ser úteis para estudar o nascimento desses objetos bizarros, que exercem uma gravidade tão forte que nem a luz pode escapar deles.

Uma das formas de produzir um buraco negro é por meio de uma supernova –a explosão de uma estrela de alta massa–, que deve ser uma fonte importante de ondas gravitacionais.

Outra é pela colisão de duas estrelas de nêutrons. A análise das ondas gravitacionais permite lampejos sofisticados sobre esses processos e pode permitir ainda a descoberta de coisas ainda mais estranhas, como as hipotéticas cordas cósmicas.

O tema é ainda controverso, mas alguns modelos cosmológicos sugerem que esses "defeitos" surgiram na estrutura do Universo conforme ele se expandiu de forma absurdamente rápida em seus primeiros instantes após o Big Bang.

Isso sem falar que no próprio processo de crescimento rápido do Universo, que deve ter gerado ondas gravitacionais. "O que mais me empolga pode demorar para acontecer", diz Rogério Rosenfeld, físico da Unesp. "É a detecção de ondas gravitacionais primordiais, geradas no período inflacionário."

As ondas gravitacionais podem levar a ciência aos primeiros instantes do surgimento do Universo. Sonho distante? Bem, até a semana passada, a detecção de qualquer evento de ondas gravitacionais parecia distante.

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MAIS ONDAS
Outros detectores querem entrar na nova era da astronomia

O achado

A detecção das ondas gravitacionais foi feita por dois sofisticados sistemas de lasers gêmeos, o sistema conhecido pela sigla Ligo (sigla inglesa para Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro de Laser)

Ligo
Ligo - detector de ondas gravitacionais dos EUA

Ele consiste em duas instalações idênticas localizadas nos Estados de Washington e da Louisiana, nos EUA

Itália

Virgo/Divulgação
Virgo - Detector italiano de ondas gravitacionais

O detector de ondas gravitacionais concorrente em fase mais avançada é o Virgo, na Itália, que passará a funcionar em setembro, com nível de sensibilidade similar

Ele está instalado na cidade de Cascina. Tem dois circuitos perpendiculares (em "L") de 3 km por onde os lasers são constantemente refletidos

Índia

Outro detector similar está sendo planejado na Índia

Japão

No Japão, o plano é construir um detector subterrâneo chamado Kagra, deve entrar em operação já em 2018

América Latina

Há discussões entre Brasil, Argentina e México também para a construção de um detector subterrâneo, que funcionaria a partir de 2030

Divulgação
detector Schenberg de ondas gravitacionais

Brasil

O projeto nacional, batizado de Schenberg (em homenagem ao físico Mário Schenberg) está instalado no Instituto de Física da USP, em São Paulo. Sua antena, porém, está de mudança para o Inpe, em São José dos Campos, onde sua sensibilidade será aprimorada

Funciona desde 2006 e consiste numa esfera metálica que é resfriada a temperaturas próximas do zero absoluto (-273°C) e é equipada para detectar a vibração produzida pela passagem de ondas gravitacionais

No espaço

ESA
detector espacial de ondas gravitacionais

Em dezembro de 2015, a ESA (Agência Espacial Europeia) lançou um satélite chamado Lisa Pathfinder, cujo objetivo é testar tecnologias necessárias para um detector de ondas gravitacionais no espaço

O satélite deve abrir caminho para o eLISA, um sistema mais complexo


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