Folha de S. Paulo


Corvos são capazes de imaginar as intenções de outros

Jana Mueller
Corvo observa outro bicho em experimento feito por cientistas da Universidade de Viena
Corvo observa outro bicho em experimento feito por cientistas da Universidade de Viena

Está na hora de incluir os corvos no seleto clube dos animais que são capazes de imaginar as intenções e os desejos de outras criaturas –um clube tão exclusivo, aliás, que hoje teria um só membro, o homem, de acordo com certos cientistas.

Essa é a conclusão de uma pesquisa coordenada por Thomas Bugnyar, da Universidade de Viena, cujo trabalho tem ajudado a elucidar as surpreendentes capacidades cognitivas desses bichos.

Bugnyar e dois colegas mostraram que a ave toma precauções redobradas para esconder sua comida quando imagina que está sendo observada por outro corvo.
A habilidade parece coisa simples, mas o fato é que existe um debate entre etólogos (especialistas em comportamento animal) sobre a possível existência dela entre bichos que não sejam o homem.

A capacidade de inferir o que se passa na cabeça de outro indivíduo (algo como "Ele sabe que eu não vou com a cara dele", por exemplo) recebe a designação técnica de "teoria da mente" e, para muitos especialistas, é uma das bases das capacidades mentais sofisticadas dos seres humanos. Trata-se de um atributo especialmente útil para espécies sociais, que precisam lidar o tempo todo com aliados e adversários, e faria sentido que ela estivesse presente em outras criaturas com vida social semelhante à nossa, como grandes macacos e golfinhos.

Investigar essa possibilidade, obviamente, não é muito fácil, já que bichos não falam.

Experimentos com chimpanzés buscaram resolver o dilema usando o olhar de bichos e pessoas como indício. Se um chimpanzé sacasse que só podia pedir comida para seu tratador quando o humano estivesse olhando para ele, teríamos aí um indício de que o símio era capaz de pensar "Ah, ele consegue me ver, vou pedir uma banana", o que seria uma forma de teoria da mente.

Alguns resultados com os grandes macacos, porém, foram meio esquisitos. Os chimpanzés acabavam tentando interagir com pessoas com um capuz cobrindo a cabeça, por exemplo –um sinal de que talvez eles estivessem usando uma pista comportamental, e não algo como aquilo sugerido pela teoria da mente.

ISTO É UMA GRAVAÇÃO

Bugnyar e companhia resolveram tirar de vez a dúvida com os corvos (Corvus corax), aves conhecidas por sua inteligência elevada. Para isso, valeram-se do hábito que os animais têm de esconder comida para reavê-la mais tarde, tal como os esquilos de desenho animado (e da vida real).

Primeiro, habituaram seus corvos criados em cativeiro a esconder alimento num recinto que tinha uma janela, que dava para outro recinto no qual havia outro corvo. Depois, mudaram a estrutura da janela, e a abertura foi substituída por um buraco pequeno, que podia estar aberto ou fechado. Agora, os corvos só podiam se ver se fossem espiar pelo buraco.

O passo final: enquanto um corvo de verdade ficava num dos recintos, a gaiola vizinha foi preenchida pela gravação de um corvo grasnando. O resultado foi que a ave de carne e osso passou a esconder sua comida bem mais rápido, e não voltou aos esconderijos quando o buraquinho da janela estava aberto "" mas nem se preocupava quando a abertura estava fechada, mesmo com a gravação.

Ou seja, a ave teria passado no teste no qual pelo menos alguns chimpanzés levaram bomba, já que bastou a possibilidade de que outro corvo estivesse olhando para ela aumentar suas defesas antifurto. O estudo está na revista científica "Nature Communications".


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