Folha de S. Paulo


Marco legal da ciência deixa dúvida sobre isenção de bolsas

Uma demanda antiga dos cientistas brasileiros –o conjunto de regras próprias para as atividades científicas no país– finalmente ganhou uma canetada do governo. Mas se por um lado o chamado marco legal da ciência ajudou a desburocratizá-la, por outro, causou insatisfações.

Um dos principais artigos do documento, por exemplo, sobre a isenção das bolsas de pesquisa, ficou de fora.

O texto, sancionado pela presidente Dilma Roussef (PT) no dia 11 de janeiro, reforçava a Lei de Inovação, de 2004, ao afirmar que bolsas deveriam ser consideradas doação. O trecho foi vetado com mais sete parágrafos do documento.

A exclusão do texto sobre a isenção das bolsas de pesquisa gerou desconforto na academia. "As bolsas já não têm um valor alto e uma possível tributação seria muito ruim", diz Tamara Naiz, presidente da ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos).

A maioria dos vetos está relacionada a impostos. A isenção dos impostos de importação e sobre produtos industrializados para as importações de máquinas e de peças destinadas às atividades científicas também foi excluída.

De acordo com nota explicativa do Ministério da Fazenda, o trecho, se aprovado, poderia "resultar em significativa perda de receitas, contrariando esforços necessários para o equilíbrio fiscal".

Os vetos preocupam e devem ser derrubados, diz o relator do marco legal, deputado Sibá Machado (PT-AC), mas "as bolsas permanecem asseguradas pela mesma lei que o parágrafo evoca [a Lei de Inovação]".

O novo marco legal também aumenta de 120 horas/ano para 416 horas/ano o tempo que um professor de instituição federal pode dedicar a atividades fora da universidade.

"Muitos professores que eram requisitados por empresas de inovação viviam situação jurídica instável", diz o biólogo Mauro Rebelo, professor da UFRJ e sócio-fundador da startup Bio Bureau. "Estava pronto para sair da universidade. Agora talvez não precise."

Para Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor-científico da Fapesp, que financia pesquisa no Estado de São Paulo, a mudança foi um avanço. "Toda boa universidade do mundo autoriza [a participação de docentes em pesquisa privada]."

Outro passo do marco legal comemorado é o fim da necessidade de licitação para compra ou contratação de produtos para fins de pesquisa e desenvolvimento –isso se a empresa fornecedora tiver faturamento anual maior do que R$ 90 milhões.

"Não se trata de facilidades. É uma questão de tratar a ciência com características que lhe são peculiares", diz o matemático Jacob Palis Junior, presidente da ABC (Associação Brasileira de Ciência). "Em pesquisa, não dá para esperar dez meses por uma licitação."

A biomédica Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, afirmou à Folha que vai analisar o impacto dos vetos e que pretende lutar para derrubá-los. "Avançamos, mas o marco legal não está bom ainda", diz.


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