Folha de S. Paulo


População de Nova Jersey procura fósseis de dinossauros atrás de shopping

Atrás de uma loja Lowe's de materiais de construção em Mantua Township, Nova Jersey, cientistas estão metodicamente examinando o solo em uma antiga pedreira que pode proporcionar uma visão singular da extinção em massa que eliminou os dinossauros.

Na época, 66 milhões de anos atrás, o nível dos oceanos era mais alto. Esta parte do sul de Nova Jersey era um mar raso, a cerca de 20 quilômetros de distância de uma antiga cadeia de montanhas que se elevava da água. A pedreira de hoje era o leito do mar, e uma camada em especial, mais ou menos 12 metros abaixo da superfície, contém fósseis em abundância.

Kenneth J. Lacovara, professor de paleontologia e geologia na vizinha Universidade Rowan, descreve a camada como "um amontoado de morte em massa". Ele acredita que pode ser a única coleção de resquícios de animais que data da própria extinção em massa.

É apenas uma hipótese, por enquanto, e uma hipótese difícil de provar. Lacovara e a universidade, que vai completar a aquisição da pedreira este mês, estão enviando estudantes de pós-graduação para catalogar os fósseis próximos no tempo da extinção em massa.

Mas eles não são os únicos caçadores de fósseis no local. Nos últimos quatro anos a pedreira vem sendo aberta ao público uma vez por ano, atraindo grande número de cidadãos comuns interessados em paleontologia. Cerca de 1.500 pessoas participaram do evento comunitário mais recente, no outono do ano passado.

"Encontrei uma pilha de pedras", disse Alexandra Hopper, de Mantua, uma das participantes. "Estamos torcendo para que, quando lavarmos as pedras, algumas delas sejam fósseis." As pessoas guardaram os fósseis que encontraram, e havia fósseis em abundância. As criaturas cujos restos estavam na depressão eram principalmente moluscos e ostras. Mas há também fósseis de animais como crocodilos e tartarugas marinhas, além de um ou outro mosassauro, um lagarto aquático feroz com dois dentes compridos no fundo da boca apontados para sua goela, garantindo que qualquer presa que ele engolisse nunca conseguisse escapar.

Estão sendo encontrados fósseis em todos os níveis dos sedimentos que preenchem a depressão, mas o amontoado mortal ocupa uma única camada concentrada. Ossos e conchas às vezes se acumulam quando as correntes marinhas empurram animais marinhos mortos para um redemoinho particular, onde eles se acumulam ao longo dos anos ou séculos.

Mas aqui os esqueletos dos animais maiores permanecem em grande medida intactos. Esse fato sugere que todos tenham morrido ao mesmo tempo e depois afundado lentamente para o leito do mar.

A datação da camada de fósseis indica que esses animais morreram em um período muito próximo no tempo ao impacto de um meteoro ao largo da atual península de Yucatán, no México. A maioria dos paleontólogos acha que o cataclismo climático que se seguiu matou três quartos das espécies que viviam na Terra, incluindo todos os dinossauros exceto os que evoluíram para converter-se em aves.

Um paradoxo aparente das extinções em massa é que os cientistas raramente encontram restos dos bilhões de animais que morreram. Em todo o mundo, os ossos dos últimos dinossauros quase sempre são encontrados muito abaixo da camada de extinção, que é marcada por irídio, um elemento concentrado em asteroides e cometas.

Isso não surpreende os paleontólogos, em vista das condições raras necessárias para preservar fósseis e do fato de que o mundo não está cheio de animais. "Se você matar todos os cervos de Nova Jersey e então tentar encontrar um cervo morto, não encontrará nenhum", disse Kirk Johnson, diretor do Museu Nacional Smithsonian de História Natural.

Um futuro paleontólogo teria dificuldade em encontrar uma camada de ossadas ou outros sinais de mortes instantâneas em massa, "porque a metragem quadrada de animais não é muito grande comparada à metragem quadrada do mundo", disse Johnson.

Mas aqui em Mantua há um amontoado maciço de restos mortais de cerca de 66 milhões de anos atrás. "Soa como uma tolice, mas será que esta antiga pedreira em Nova Jersey, atrás da Lowe's, possui a única 'janela' para vermos esse momento crucial do tempo?", indagou Lacovara.

ACHADOS E "GUERRAS DE OSSOS"

Um século e meio atrás, o sul de Nova Jersey fervilhava com descobertas de fósseis de dinossauros. Ossos dispersos de dinossauros tinham sido encontrados na Europa, mas o primeiro esqueleto quase completo -de um hadrossauro de 2,4 metros de altura e 4,2 de comprimento, com bico de pato-foi escavado em uma pedreira em Haddonfield em 1858.

Nova Jersey se tornaria um dos primeiros campos de batalha da chamada "guerra dos ossos", a concorrência acirrada entre dois paleontólogos americanos preeminentes do século 19, Edward Drinker Cope, da Academia de Ciências Naturais, em Filadélfia, e Othniel C. Marsh, da Universidade Yale.

Cope vivia em Haddonfield e coletava fósseis na área. Depois de convidar Marsh para uma visita, ele disse que seu convidado pagou aos proprietários da pedreira de Haddonfield para enviar fósseis a Yale, não à academia.

Em 1866 Cope descreveu a ossada de um dinossauro carnívoro encontrado em outra pedreira de Mantua, um parente do Tiranossauro Rex. Mas ele e Marsh voltaram suas atenções para sítios maiores de fósseis no oeste do país, e a história paleontológica de Nova Jersey perdeu força.

Nos últimos anos, os melhores fósseis de dinossauros encontrados têm vindo de lugares distantes, como Argentina, Mongólia e o Saara. Em 2014, Lacovara, que na época trabalhava para a Universidade Drexel, em Filadélfia, anunciou a descoberta do Dreadnoughtus, um dinossauro gigantesco encontrado na Patagônia argentina.

Se não fosse pela recessão de 2007, os fósseis de Mantua poderiam ter continuado soterrados e fora do alcance. Durante quase um século a empresa Inversand extraiu marga da pedreira, uma areia esverdeada escura usada em estações de tratamento de água. Mas a intensificação das regulamentações ambientais levou o negócio a ser deficitário, e a Inversando estudou a possibilidade de fechar a pedreira.

Um plano de desenvolvimento de Mantua previa que o buraco da pedreira fosse preenchido e que prédios residenciais e um shopping center fossem construídos em cima. Quase seis anos atrás, Lacovara propôs algo diferente. Ele queria preservar a pedreira, tanto como sítio de escavações paleontológicas quanto para museu com a finalidade de inspirar a geração mais jovem.

Os paleontólogos já sabiam havia muito tempo dos fósseis existentes na pedreira e em outras áreas de extração de marga na região. A Inversand viu a proposta com bons olhos. Escavadeiras foram usadas para limpar uma parte do buraco, para que Lacovara e seus alunos pudessem escavar fósseis, e foi ali que eles encontraram o amontoado mortal em massa. As autoridades de Mantua queriam aterrar a pedreira, mas não dispunham dos US$2 milhões necessários para fazer a obra no terreno de 65 acres.

A Inversand estava gastando várias centenas de milhares de dólares por ano para manter bombas em ação para desviar água que, de outro modo, encheria o buraco. Um pedido de verbas do Estado continuava parada. Assim, no verão do ano passado, a empresa disse a Lacovara que as bombas seriam desligadas no fim do ano. "Até a metade de janeiro a pedreira provavelmente teria virado um lago", ele disse.

A salvação veio de Universidade Rowan. Depois de transportar o esqueleto do Dreadnoughtus de volta à Argentina, no final de 2014, Lacovara se reuniu com o reitor da universidade, Ali A. Houshmand.

Este atraiu Lacovara, que tinha estudado na universidade na época em que ela era a Glassboro State College, com a promessa de criar uma escola da terra e do meio ambiente, da qual Lacovara seria o diretor fundador.
Para Lacovara, uma parte essencial do acordo foi que a Rowan comprasse a pedreira da Inversand. O reitor Houshmand concordou.

UM TANQUE DE AREIA PARA TODAS AS IDADES

Multidões de pessoas encheram a pedreira em setembro para o quarto evento anual de escavação coletiva. Os participantes chegaram em quatro levas, em horários marcados. Lacovara recebeu cada grupo.

"Quem quer encontrar fósseis?", ele perguntou. "Vão se divertir!" Nesse dia a pedreira foi um "tanque de areia" científico para adultos e crianças.

Numa área separada por um cordão de isolamento, alguns dos alunos de pós-graduação de Lacovara continuaram a trabalhar sobre sua camada preciosa, explicando aos outros presentes o que estavam encontrando.

Outros visitantes peneiravam o solo e apresentavam o que encontravam aos especialistas, principalmente os pós-graduandos, como que numa versão do programa "Antiques Roadshow" em que as antiguidades encontradas tinham milhões de anos de idade.

Alguns dos achados eram apenas pedras. Outros eram montes endurecidos de areia que se fragmentavam quando eram comprimidos. Mas houve exceções fascinantes.

"Este é um braquiópede", disse um dos especialistas a Michael Lloyd, 8 anos de Mantua, descrevendo um animal semelhante a um molusco. "Pai, encontrei um braquiópede!" gritou o descobridor.

Com o futuro da pedreira agora garantido, Lacovara pensa em promover mais visitas de escolas, dias de procura de fósseis e um centro para visitantes ao lado da pedreira. "Queremos integrar este lugar à comunidade", ele disse. "É um local vivo, em transformação."

A esperança não é necessariamente levar crianças a querer ser paleontólogas, mas ensiná-las a decifrar os mistérios do mundo. "As crianças começam a pensar a ciência como um processo", disse Lacovara. "É uma maneira de fazer perguntas sobre seu mundo."

Quanto à possibilidade de ter encontrado um cemitério de dinossauros que data da extinção em massa, Lacovara faz questão de ressalvar que ainda não tem evidências convincentes disso. "Ainda estamos na etapa de colocar a hipótese à prova", ele disse.

Mas é uma hipótese que merece ser levada adiante. "Temos rochas que são de um tempo próximo daquele", ele disse. "Sei que estamos muito perto."

Tradução de CLARA ALLAIN


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