Folha de S. Paulo


Estudo mostra uma tripla hélice do DNA que 'desliga' genes

Ao que parece, a tripla hélice veio para ficar. Você já deve estar familiarizado com a dupla hélice, mesmo que não conheça o nome - trata-se da típica escadinha torcida formada pelo DNA. Acontece que a versão tripla dessa estrutura provavelmente é importante para controlar a ativação dos genes do nosso organismo, segundo novo estudo.

Os dados, publicados em artigo no periódico "Nature Communications", são, em parte, um prêmio para a persistência do pesquisador brasileiro Eduardo Gorab, do Instituto de Biociências da USP, que é coautor do estudo.

Já se sabia há décadas que a tripla hélice podia se formar em laboratório, mas Gorab foi um dos cientistas que apostaram na possibilidade de que o fenômeno ocorresse espontaneamente "in vivo", ou seja, em organismos vivos.

O biólogo da USP também defendia que a tripla hélice deveria estar associada à regulação do funcionamento dos genes, coisa que a nova análise agora corroborou.

DNA trilpla hélice

COMPLEXIDADE

As descobertas relatadas no artigo da "Nature Communications", coordenadas por Chandrasekhar Kanduri, da Universidade de Gotemburgo (Suécia), estão intimamente ligadas aos níveis cada vez mais sutis de complexidade que os cientistas andam vendo no material genético.

Nas aulas de biologia, as pessoas ainda aprendem o chamado "dogma central da biologia molecular", segundo o qual o DNA, que contém os genes, serve de "receita" para a fabricação de RNA (uma molécula parecida, mas de fita simples, e não dupla).

O RNA, por sua vez, funciona como molde para a produção de proteínas, as quais desempenham toda sorte de funções nas células dos seres vivos.

Nada disso é mentira, a rigor, mas a questão é que o processo de funcionamento das células parece envolver inúmeros outros processos que não seguem o figurino do dogma central. O RNA, por exemplo, não atua apenas como moleque de recados do DNA, mas às vezes se volta contra seu suposto mestre e pode até "calá-lo" - para ser mais preciso, evita que o DNA seja "lido" e sirva de receita para proteínas.

Entender tais detalhes é essencial para explicar, por exemplo, como um único óvulo fecundado dá origem a todos os tipos de células do corpo adulto, das que fazem o coração bater às que transmitem mensagens dos olhos para o cérebro, ou para elucidar como certas células enganam o controle de qualidade do organismo e se multiplicam de forma descontrolada, dando origem aos vários tipos de câncer. Todos esses fenômenos, afinal, estão ligados aos padrões de "liga" e "desliga" do DNA.

RNA COMPRIDO

Para chegar à possível função da tripla hélice, Gorab e seus colegas seguiram a pista deixada pelos chamados lncRNAs (sigla inglesa de "RNAs longos não codificadores", ou seja, que não participam da produção de proteínas). Já se sabia que esse tipo de RNA é capaz de "silenciar" ou "desligar" certos genes, encaixando-se em regiões específicas do DNA.

Ao analisar como um tipo de lncRNA fazia isso numa linhagem de laboratório de células humanas, derivadas de um tumor de mama, os pesquisadores verificaram que a molécula costumava se conectar a regiões do material genético com alta presença das "letras" químicas G (guanina) e A (adenina).

A interação entre o RNA e o DNA levava à formação de uma tripla hélice híbrida (incluindo os dois tipos de molécula). E isso, por sua vez, recrutava para o local uma proteína especializada em "desligar" o DNA.

Se as observações forem confirmadas, a formação da tripla hélice seria um processo importante para o "silenciamento" de muitos genes.

Em tese, seria possível até utilizar o fenômeno para desligar genes associados a determinadas doenças, embora essa possibilidade ainda esteja distante.


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