Folha de S. Paulo


Estudo inesperado e fanfarrão explora bases neurais do espírito natalino

Pessoas que não comemoram o Natal e que não veem sentido no tal do "espírito natalino" agora podem ter uma pista neurológica do que acontece com quem vivencia esse sentimento.

Isso porque, de acordo com um artigo publicado nesta quarta (16) no periódico "British Medical Journal", existe uma rede cerebral que abriga o misto de sensações de nostalgia e felicidade de que trata o espírito natalino.

Os cientistas da Universidade de Copenhague analisaram os resultados de exames de ressonância magnética funcional e viram que algumas áreas do cérebro de "pessoas natalinas" ficavam particularmente ativas em comparação aos controles.

CEREBRO DE PAPAI NOEL

Esse tipo de teste se tornou comum na busca da origem de doenças neurológicas e psiquiátricas. Vários outros trabalhos tentam entender como o cérebro reage a diferentes tipos de estímulo, como música, encontrar parentes ou olhar para fotografias.

O estudo dinamarquês cai nessa última categoria. Aos pacientes dos dois grupos foram apresentadas imagens "neutras" ou claramente ligadas ao Natal, desencadeando um "pisca-pisca" característico em quem tem a data em alta conta.

Um dos problemas do método, apontam os autores, é que alguns fatores não foram controlados, como a quantidade de vermelho ou de verde nas imagens, por exemplo.

CAUTELA

No estudo foram avaliados 20 pacientes. Para Bryan Haddock, um dos autores, a comparação de dois grupos de 10 indivíduos é razoavelmente robusta.

No entanto, os cientistas são cautelosos ao dimensionar o trabalho: "Por causa de incertezas e da chance de surgirem falsos positivos [de não haver uma rede cerebral do espírito natalino], os resultados devem ser repetidos antes que conclusões definitivas possam ser extraídas".

Eles também recordam os problemas de reprodutibilidade que recentemente foram apontados em pesquisas de áreas vizinhas, como a psicologia, em um artigo da revista "Science".

"Um experimento de ressonância magnética funcional é tão bom quanto sua hipótese, design e interpretação", escrevem no artigo.

No caso, o mote era o Natal, mas os resultados em tese podem valer, ao menos parcialmente, para outros feriados ou datas religiosas e comemorativas, disse à Folha Haddock.

O médico, engenheiro e professor da USP Koichi Sameshima afirma que o trabalho não contribui efetivamente com o entendimento da neurofisiologia cerebral e que os resultados são até um tanto óbvios, já que "dependem da carga cultural e do treinamento a que essas pessoas tenham sido submetidas ao longo da vida".

EDIÇÃO DE NATAL

Na recente edição da "BMJ", junto ao artigo dinamarquês, outros trabalhos inusitados foram publicados. Um deles diz que assistir a filmes de terror pode exacerbar a coagulação do sangue e outro que diz, ao contrário do que alguns pensam, que ingleses não têm dentes mais podres que americanos.

A pesquisa do cérebro natalino tem como origem uma outra que buscava as origens cerebrais da enxaqueca, tentando mapear a "aura", uma espécie de sensação premonitória de que a dor está próxima, conta Haddock.

Os dados relacionados ao espírito de Natal se mostraram interessantes, e eles resolveram tentar escrever um artigo científico jocoso para tentar entender como alguém pode não gostar dessa época do ano.

A pesquisa era para ter saído no fim de 2014, mas eles perderam o prazo e ela acabou ficando para a edição de Natal deste ano da "BMJ".

Na sessão de conflitos de interesse do artigo, em tom de brincadeira, os autores escrevem que estão construindo um gorro de Papai Noel que "estimularia, ao toque de um botão, os centros [cerebrais] do espírito natalino".

Dessa forma, seria possível tratar os amigos e familiares ao primeiro sinal de "ranzinzice natalina".


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