Folha de S. Paulo


Bichos pré-históricos brasileiros são tema de livro de paleontólogo da USP

Julio Lacerda
Imagem do livro
Imagem do livro "Dinossauros e outros monstros", de Luiz Anelli, paleontólogo da USP

Os filhos do paleontólogo Luiz Eduardo Anelli, 51, já estão no ensino médio, o que faz o pesquisador da USP se sentir frustrado toda vez que abre os livros didáticos deles.

"Tem ilustrações ótimas de dinossauros e outros animais extintos ali, mas é sempre uma espécie dos EUA ou da Mongólia, o T. rex ou o Velociraptor mongoliensis. Ninguém sabe o nome de um dinossauro brasileiro", reclama.

Cansado do ostracismo que parecia ser a sina da fauna pré-histórica nacional, Anelli já escreveu diversos livros sobre os dinos que viveram no que um dia seria o território brasileiro -e está lançando nesta semana seu projeto mais ambicioso até agora.

"Dinos e Outros Monstros: Uma Viagem à Pré-História do Brasil" é a primeira obra voltada para o público leigo a contar toda a história da vida no planeta a partir das espécies que se fossilizaram por aqui, das bactérias que produziram o oxigênio essencial para seres vivos mais complexos aos dentes-de-sabre e supertatus que rondavam o cerrado mineiro e baiano até meros 10 mil anos atrás.

"Boa parte dessas espécies foi reconstruída [em imagens realistas] pela primeira vez", diz Anelli, cujo livro foi ilustrado pelo artista Julio Lacerda.

"Os países desenvolvidos conseguiram transformar a pré-história num dos pilares da cultura deles. Acho que vale a pena tentar fazer esse esforço no caso do nosso país também", explica o paleontólogo, que estuda fósseis de invertebrados do Brasil e da Antártida (não por acaso, já que a América do Sul passou dezenas de milhões de anos colada ao continente antártico, quando ambos faziam parte do supercontinente conhecido como Gondwana).

Editoria de Arte/Folhapress
Mapa das bacias sedimentares do brasil
Mapa das bacias sedimentares do Brasil, presente no livro

CONEXÕES

A conexão com a Antártida (que de certa maneira continua indiretamente por meio das frentes frias regularmente despachadas de lá para cá) é exemplo de como o passado dos continentes ainda influencia a vida no Brasil.

Anelli lembra que, bilhões de anos atrás, foi a ação de bactérias primitivas a responsável por retirar dos oceanos o ferro dissolvido na água. Um dos subprodutos desse processo foi a formação de reservas de minerais de ferro exploradas hoje em locais como Minas Gerais -às vezes de forma desastrosa, como na região cortada pelo rio Doce.

Outra conexão surpreendente é a que liga um "Saara brasileiro" da Era dos Dinossauros, o chamado paleodeserto Botucatu, e a abundância de água subterrânea no país hoje.

As vastas áreas do antigo deserto ajudaram a preservar pegadas de dinossauros, mamíferos e insetos do passado, e até as raras gotas de chuva que caíam por lá. A areia acabaria virando rochas, extraídas para calçamento no interior paulista. Ao mesmo tempo, o deserto foi formando camadas porosas que iam filtrando a água da chuva ao longo de dezenas de milhões de anos, gerando, abaixo delas, o aquífero Guarani, uma das maiores reservas subterrâneas de água do mundo, que abastece, por exemplo, boa parte de Ribeirão Preto (SP).

LACUNAS PERENES

Apesar da identificação de dezenas de espécies de dinos no país, a maioria delas do ano 2000 para cá, sem falar nos achados de outros bichos, Anelli lembra que alguns períodos da história da vida estão frustrantemente ausentes das rochas brasileiras.

Um deles é o Cambriano, a primeira fase de diversificação explosiva dos grupos de animais (a partir de 541 milhões de anos atrás). A outra é o período que acabou virando sinônimo do reinado dos dinossauros, o Jurássico.

No caso do Cambriano, o problema eram as geleiras que, por incrível que pareça, recobriam o território nacional. No Jurássico, a questão é que a plataforma continental por aqui estava se elevando -e, para a formação de fósseis, o interessante é justamente o contrário, ou seja, a soterração de depósitos.

De quebra, na Era dos Dinossauros, o país era bem seco, com menor diversidade de espécies, portanto -diferentemente da Patagônia argentina, então lar de uma vegetação mais luxuriante. "Depois a situação se inverteu: lá você tem um clima seco, que facilita a preservação, enquanto aqui temos chuva e floresta tropical", compara.

Mesmo assim, o Brasil foi palco de algumas das transições mais importantes da evolução da vida. Os mais antigos dinos viveram por aqui, assim como os ancestrais dos primeiros mamíferos.

Parte da riqueza paleontológica do país tem sido destruída por mineradoras -que temem ter seu negócio atrapalhado pela legislação, a qual define os fósseis como bens da união- ou pilhada por traficantes. Anelli reconhece os problemas, mas diz que legalizar a exploração particular das jazidas de fósseis poderia ser um tiro pela culatra.

"A legislação de fato é complicada, você puxa um fio e aparecem outras implicações. Nos EUA existe a coleta particular, mas você não pode coletar qualquer coisa em qualquer lugar", afirma.

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DINOS E OUTROS MONSTROS: UMA VIAGEM À PRÉ-HISTÓRIA DO BRASIL

Autor Luiz Eduardo Anelli; ilustrações de Julio Lacerda

Editora Edusp e Editora Peirópolis

Preço R$ 65; 248 págs.

Lançamento Dia 12/12, das 10h às 17h, na livraria Panapaná (rua Leandro Dupré, 396, Vl. Clementino, São Paulo.


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