Folha de S. Paulo


Análise

Animais de experimentação ainda serão usados por um bom tempo

A vontade de substituir o uso de animais em pesquisas é grande, mas ela, por ora, não deve ser exacerbada. Isso porque o mais provável é que demore décadas para que consigamos trocar os bichos por culturas de células ou simulações computacionais.

Sem os animais, a descoberta de novos medicamentos e procedimentos cirúrgicos seria paralisada.

Faz algumas décadas que o lema dos três Rs –reduzir, refinar e substituir (replace, em inglês)– chegou ao uso e à pesquisa com animais, e um avanço é a pesquisa da Fiocruz Paraná com células-tronco de descartes de lipoaspirações. A iniciativa promete bons resultados.

Outros esforços são a criação de culturas com diferentes tipos celulares (simulando um tecido humano com maior realismo) e até a criação de miniórgãos –aglomerados de células como neurônios ou hepatócitos, que ganham algo da organização e algumas características do cérebro e do fígado, respectivamente.

Mesmo assim ainda não há uma maneira correta de simular o sistema biológico. Imagine: mesmo que uma droga fosse testada em um miniórgão de cada tipo, ainda não haveria informação de como ela se move no organismo ou como interage com moléculas só produzidas em um corpo vivo.

O problema (ou a beleza) da biologia é essa complexidade. Ainda não estamos perto de entender como o todo de um organismo funciona –são sistemas complexos interagindo com outros, formando um ainda maior e mais complexo.

Modelos apenas lidam com questões que já resolvemos, com pequenas variações –a novidade passa despercebida.

Existe também embasamento financeiro nos três Rs, já que produzir e cuidar de animais de experimentação são atividades custosas. Quando o cientista pode ter os mesmos resultados com menos, ele o faz e ruma logo para uma nova empreitada. O patrocinador economiza e agradece.

Outra questão é o ruído do ativismo pelos direitos dos animais junto ao sincero desejo de ganho de eficiência. Muitos se agarram, sem conhecer a ciência real, a mitos de que o uso de animais é supérfluo, como se os cientistas optassem pela crueldade –algo um tanto distante da realidade.


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