Folha de S. Paulo


Testes alternativos para cosméticos ainda usam animais

A partir de 2019, xampu nos olhos de coelhos não será mais refresco. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) determinou que as empresas de cosméticos, produtos de higiene e limpeza terão até essa data para adotar métodos alternativos que visam reduzir, refinar ou substituir os animais em testes.

Os defensores dos animais, porém, ainda não estão satisfeitos. Além de julgarem excessivo o tempo de adaptação dado às empresas (a lei foi aprovada em 2014), eles apontam que parte dos métodos alternativos não são totalmente livres de crueldade.

BICHOS NECESSÁRIOS

De acordo com um levantamento feito pela bióloga e doutoranda da Unifesp Bianca Marigliani, dos 17 testes alternativos, seis usam ratos e camundongos vivos. Pele de ratos e olhos de aves e de bovinos mortos são usados em quatro deles (veja exemplos ao lado).

Segundo a Anvisa, esses métodos são definidos como alternativos por usarem menos animais que o teste original ou partes de animais que são normalmente descartadas nos abatedouros.

"Há na Lei Arouca [sobre bem-estar animal em pesquisa] uma ênfase no conceito de refinamento no uso de animais, o tal do uso ético. Os conceitos de redução e substituição são pouco mencionados", diz o biólogo Thales Trez, professor da Universidade Federal de Alfenas (MG).

SORO BOVINO

Ainda segundo o levantamento da pesquisadora, três dos métodos alternativos aprovados pela Anvisa usam células cultivadas em meio com SFB (soro fetal bovino).

O soro é a parte líquida (sem células) do sangue de fetos, obtido no abate das vacas prenhes. Ele é misturado ao meio de cultura celular para que as células sobrevivam e se multipliquem. "Hoje já existem no mercado culturas livres de substâncias orgânicas. mas elas chegam a custar até dez vezes mais", diz Jayme Nunes, gerente da Sigma-Aldrich, que vende cultura de células para indústria.

O problema ético do soro fetal bovino e a sua substituição rendeu um prêmio de 10 mil libras (R$ 60 mil) à Marigliani. Neste ano, na terceira edição do Lush Prize, a Associação de Pesquisa do Consumidor Ético, no Reino Unido, e a marca de cosméticos Lush premiaram cientistas que pesquisam métodos alternativos.

Sob a orientação da professora Jane Zveiter de Moraes, Marigliani vem trabalhando no desenvolvimento de métodos in vitro e agora pretende usar essas culturas "veganas" (isentas de produtos de origem animal) para os testes de segurança de cosméticos.

De acordo com o Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal), não há métodos alternativos in vitro validados que não utilizem o soro fetal bovino.

A bióloga Sylvia Affonso da Silva, da Unifesp, lembra que o uso de animais, intenso até 1990, vem diminuindo nos últimos anos, não apenas pela questão ética, mas também pela financeira. "Mais baratos, o uso de cultura de células e animais de filogenia inferior, como peixes, estão entrando na pesquisa e seu uso tem sido incentivado".


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