Folha de S. Paulo


Após extinção de grandes mamíferos, índios domesticaram abóbora

O ser humano tem nas mãos a extinção de várias espécies de seres vivos, mas se não fosse pelos antigos índios das Américas, hoje não poderia ser possível comer abóboras, pepinos ou abobrinhas. Foi a "domesticação" dessas plantas pelos índios pré-históricos que permitiu que elas sobrevivessem, pois estavam destinadas à extinção.

Quem afirma isso é a equipe de pesquisadores liderada por Logan Kistler, da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos EUA, em artigo recente na revista científica "PNAS". Eles usaram análises de material genético para entender como essas plantas conseguiram sobreviver quando desapareceram os principais mamíferos que as devoravam.

Sem megafauna; com abóbora

Plantas e animais herbívoros têm uma inter-relação bastante importante. Os animais comem as folhas e os frutos e, com suas fezes, dispersam as sementes que acabam originando novas mudas. Existe ainda um bônus: as fezes, além de "meio de transporte", também sevem de fertilizante.

Se os herbívoros não as comem, as plantas estão com problemas -especialmente no caso do desaparecimento desses bichões, pois uma extinção leva à outra.

As abóboras e seus parentes próximos do gênero Cucurbita -e quem sabe outras plantas da família cucurbitaceae- desapareceriam do cardápio humano porque os grandes animais que as comiam, como os mastodontes, foram extintos então nas Américas, cerca de dez mil anos atrás.

PALEOÍNDIOS

Aqui a culpa pode ser, em parte, humana: ainda se debate se foram os antigos índios (paleoíndios) que caçaram até o fim os mastodontes e megatérios, animais da chamada megafauna, composta por mamíferos com mais de uma tonelada de peso.

Ou, também, a culpa pode ter sido uma combinação de caça com algum problema ambiental.

As abóboras selvagens eram e são muito amargas. Trata-se de uma defesa natural da planta contra predadores que, se aplicada em excesso, pode impedir a disseminação das sementes.

Seres humanos e mamíferos pequenos não conseguiam comê-las. O amargo no gosto sempre foi identificado em termos de evolução biológica como algo tóxico. Mastodontes, por outro lado, comiam abóboras selvagens sem problema, pois, para eles, um pouco de amargor não fazia mal. Suas fezes fósseis mostraram ter sementes intactas de Cucurbitas.

São raras as espécies selvagens hoje. A equipe de Kistler analisou a genética de 91 amostras do gênero, tanto antigas, como selvagens e domesticadas atuais.

Concluíram que essas plantas foram domesticadas em vários momentos e em vários locais do continente, notadamente no leste dos EUA e no México, mas também na Argentina.

A pesquisa mostrou que o declínio das espécies selvagens coincidiu com a domesticação em larga escala.

Ao serem domesticadas, com o efeito da seleção artificial, abóboras e seus primos deixaram de ser tão amargas e se adequaram ao paladar humano.

BICHOS PEQUENOS

Os pesquisadores também demonstraram uma relação entre o tamanho do animal, sua dieta, e o número de genes responsáveis pelos receptores celulares do sabor amargo -quanto menor o animal, e mais variada sua dieta, maior número de genes para facilitar a identificação de eventuais toxinas pelo seu gosto amargo.

Daí dá para entender porque mastodontes gostavam desses primos amargos das abóboras.

Mesmo hoje há bons exemplos que corroboram essa explicação: várias espécies selvagens da família cucurbitaceae com gosto amargo são consumidos por elefantes africanos sem problemas.

Outro bom exemplo é o rinoceronte asiático de um chifre, típico da Índia e do Nepal, que come quantidades assombrosas de um fruto amargo, impalatável para mamíferos menores por dois motivos: o sabor, e o fato de suas sementes terem cerca de um centímetro de diâmetro.

Ou seja, difícil de entrar e difícil de sair do organismo dos bichinhos.


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