A Justiça Federal condenou o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), órgão que cuida da regulação dos fósseis no Brasil, a pagar uma indenização por danos morais de R$ 150 mil ao paleontólogo Alexander Kellner, pesquisador do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Um dos nomes mais conhecidos no estudo da pré-história no país, o cientista resolveu processar a autarquia, que é vinculada ao Ministério de Minas e Energia, após ser inocentado da acusação de tráfico internacional de fósseis, que o levou à cadeia em 2012.
"Não há dinheiro que pague todo o constrangimento, a vergonha e o prejuízo profissional que eu sofri", resume Kellner. O cientista francês Romain Amiot, que acompanhava Kellner e foi preso sob a mesma acusação, move um processo semelhante contra o DNPM.
A dupla foi detida quando se preparava para embarcar no aeroporto regional do Cariri, em Juazeiro do Norte (Ceará), após uma temporada de escavação e recolhimento de fósseis, que seriam levados para a UFRJ. A Polícia Federal afirmou ter recebido uma denúncia anônima de que os fósseis brasileiros seriam vendidos no exterior, o que é considerado crime.
Kellner e Amiot foram presos em flagrante e liberados, no dia seguinte, após o pagamento de fiança. O total de 20 salários mínimos foi obtido com uma "vaquinha".
Após a prisão, Kellner questionou publicamente a ação do DNPM, que teria passado informações deliberadamente equivocadas à PF.
No documento que decidiu pelo arquivamento do processo contra os pesquisadores constava que "a imperícia do chefe do escritório do DNPM [José Artur de Andrade] foi determinante para a prisão dos dois pesquisadores. (...) Mesmo não tendo competência para fiscalizar a pesquisa dos professores, foi contundente em afirmar (...) que estavam em atividade irregular".
PTEROSSAUROS
Nome de projeção internacional, Kellner é considerado o "rei dos pterossauros" no Brasil e leva no currículo a descrição de 30 espécies desses répteis voadores. Além das pesquisas no país, tem colaborações sobretudo com China e Estados Unidos.
"Esse episódio teve repercussão internacional também. As pessoas comentam, tanto para mim como para os meus colegas de profissão, sobre a minha prisão. Isso manchou o meu nome. Quantas palestras eu deixei de dar? Quantos projetos foram perdidos?", disse. Segundo ele, o episódio e a prisão injusta de um cientista estrangeiro também fez com que pesquisadores de outros países não quisessem mais vir pesquisar no Brasil, causando prejuízos à pesquisa nacional.
Na decisão, a juíza considerou que houve ilegalidade na prisão, o que ocasionou "notável constrangimento ao autor, inclusive, pela divulgação de informações equivocadas, prejudicando sua imagem e conceito, principalmente, perante a comunidade em que labora".
Além dos R$ 150 mil por danos morais, a Justiça determinou ainda que o DNPM publicasse uma nota de retratação em um jornal de grande circulação e na internet.
Embora tenha se dito feliz com o resultado, Kellner afirmou que vai recorrer do valor da indenização. Ele havia pedido inicialmente R$ 1 milhão.
"Sei que pode demorar muito, mas eu ainda acho R$ 150 mil pouco diante de tudo o que aconteceu." Ele afirmou que pretende usar a maior parte do valor da indenização para criar um fundo de apoio ao estudo de fósseis no Brasil.
O DNPM também pode recorrer. A assessoria de imprensa do órgão não respondeu ao contato da reportagem.
LEGISLAÇÃO
A comercialização de fósseis de animais e plantas é proibida no Brasil –que tem enorme patrimônio paleontológico–, por um decreto assinado por Getúlio Vargas em 1942. Vendidos ou não, os fósseis só podem sair do país com autorização das autoridades competentes e em casos excepcionais.
Apesar da antiga lei, o tráfico de fósseis nacionais para museus e coleções particulares do exterior acontece em larga escala.
Em muitos países da Europa e nos EUA a venda desse tipo de material não é crime -traficantes profissionais têm um jeito fácil e eficiente de escoar o material contrabandeado.
O DNPM, departamento responsável pelos fósseis no Brasil, acumula outras atribuições ligadas à mineração. Além da estrutura enxuta, o órgão passa por um forte contingenciamento de recursos.
Pesquisadores de universidades, museus e centros de pesquisa não precisam de autorização prévia para escavações, mas devem comunicá-las ao DNPM, que pode fazer visitas.
Há duas semanas, o antigo diretor-geral Celso Luiz Garcia pediu demissão após o desastre ambiental causado pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco, da Vale, em Mariana (MG). Responsável pela fiscalização de parte do projeto das barragens, a atuação do órgão foi muito criticada.
CONSCIENTIZAÇÃO
Para tentar conscientizar a população sobre a importância do patrimônio pré-histórico e tentar combater o tráfico, alguns cientistas têm se mobilizado na internet.
Uma das principais lideranças é a paleontóloga Aline Ghilardi, que mantém o blog de divulgação científica Colecionadores de Ossos.
"Fiz uma postagem sobre um dos casos. Depois disso as denúncias foram chegando sem parar. Inúmeros sites. Resolvemos nos empenhar na causa com força", explica.