Folha de S. Paulo


Caso de peixe africano mostra que evolução pode pregar peças

Um curioso estudo realizado na África expõe uma questão pouco usual sobre a evolução: ela pode levar as espécies a ficarem tão especializadas e eficientes em se alimentar de determinada presa que, se em algum momento a disponibilidade daquele alimento mudar, tais bichos ficarão desprevenidos, incapazes de competir por outra coisa.

O que os pesquisadores dos Estados Unidos e Suiça mostraram foi que isso aconteceu com a a mandíbula dos ciclídeos (uma família de peixes).

A evolução parece ter pregado uma peça nesses peixes, que vivem no lago Vitória, na África, entre Tanzânia, Uganda e Quênia: a característica que um dia os ajudou a se alimentar de bichos duros (como estrela-do-mar) ou com conchas (como alguns moluscos) agora pode levá-los a extinção.

Eles tinham a mandíbula muito forte, que os permitia quebrar tal proteção das presas, acessando seu suculento e nutritivo conteúdo.

Mas os cientistas não sabiam por que a população do bicho estava decaindo nas últimas décadas.

A principal hipótese era que eles vinham sido comidos pela voraz perca-do-nilo, um peixão que pode passar dos dois metros de comprimento e foi introduzida no lago a partir da década de 1950.

O que os pesquisadores descobriram agora é que a perca-do-nilo não só se alimenta dos ciclídeos, mas também competem com eles pelos mesmos alimentos.

E foi aí que a coisa ficou feita para os ciclídeos.

Infográfico: Cara, evoluí demais

A perca-do-nilo afetou todo o ecossistema do lago Vitória. Os alimentos duros ou com conchas, para os quais os ciclídeos estavam preparados, rarearam.

O problema é que um efeito colateral de ter uma mandíbula mais forte foi ter uma boca bem menos flexível –ou seja, com uma abertura total menor.

Isso fez com que os ciclídeos não tivessem grandes condições de competir por alimentos fora do seu nicho anterior –ou seja, fora da "reserva de mercado" que eles tinham anteriormente.

Para chegar a tais conclusões os cientistas quantificaram e caracterizaram o conteúdo estomacal de vários peixes do Lago Vitória.

A moral da história é que uma adaptação evolutiva nem sempre será boa no longo prazo.

"A adaptação pela seleção natural contribui para uma boa adaptação para o organismo ao ambiente naquele momento. O que ele não consegue fazer é prever o futuro", afirma Geerat Vermeij, pesquisador da Universidade da Californa, em Davis, que comentou o estudo publicado na revista "Science".

"Será interessante descobrir quão frequentemente inovações podem acabar piorando, no longo prazo, a suscetibilidade de uma linhagem evolutiva à extinção."

INFORMÁTICA

É interessante perceber que tal mecanismo não se aplica apenas à biologia. Há autores que o aplicam até à administração de empresas, como o americano Clayton Christensen, autor do best-seller "O Dilema da Inovação", de 1997.

Ele defende que empresas podem ser punidas por terem sido muito bem-sucedidas em compreender as necessidades dos seus clientes.

Pense no caso da IBM, que chegou a ser a maior empresa americana nos anos 1980. Ele teve muito sucesso ao oferecer a seus clientes corporativos o que eles mais queriam: computadores cada vez mais rápidos. Tal foco bem estabelecido, porém, fez com que a empresa não tenha conseguido participar com o mesmo protagonismo do emergente mercado de
computadores pessoais.


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