Folha de S. Paulo


Um século atrás, a Teoria da Relatividade de Einstein mudou tudo

No outono de 1915, Albert Einstein estava de mau humor.

E por que não estaria? Aplaudida –para seu desgosto– pela maioria de seus colegas em Berlim, a Alemanha tinha lançado uma guerra mundial calamitosa. Einstein tinha se separado de sua mulher, e ela se mudara para a Suíça com os filhos deles.

Ele estava vivendo sozinho. Um amigo dele, Janos Plesch, comentou: "Ele dorme até que alguém o acorde; fica acordado até lhe mandarem ir para a cama; passa fome até lhe darem algo para comer, e então come até que o mandem parar."

O que era pior, Einstein tinha descoberto uma falha fatal em sua nova teoria da gravidade, proposta com grande pompa apenas dois anos antes. Compacta e misteriosa como uma runa viking, ela descreve o espaço-tempo como uma espécie de colchão vergado em que a matéria e a energia, como alguém que dorme pesadamente, distorcem a geometria do cosmos para produzir o efeito que chamamos de gravidade, obrigando raios de luz, bolas de gude e maçãs em queda a seguir trajetórias curvas pelo espaço.

Essa é a teoria geral da relatividade. Em ciência, dizer que um experimento ou teoria transformou nossa visão do espaço e do tempo é um clichê, mas a relatividade geral realmente o fez.

UM PALCO

Desde a aurora da revolução científica e os tempos de Isaac Newton, que descobriu a gravidade, cientistas e filósofos tinham visualizado o espaço-tempo como uma espécie de palco sobre o qual nós atores, matéria e energia, caminhávamos.

Com a relatividade geral, o próprio palco se movimentava. O espaço-tempo podia se curvar, dobrar, enrolar-se em volta de uma estrela morta e desaparecer em um buraco negro. Podia se sacudir como a barriga do Papai Noel, radiando ondas de compressão gravitacional, ou girar rápido como massa numa batedeira. Podia até se rasgar. Podia se esticar e crescer ou podia desabar em um pontinho de densidade infinita no fim ou início do tempo.

Cientistas vêm acendendo velinhas de aniversário para a relatividade geral durante todo este ano, incluindo aqui, no Institute for Advanced Study, onde Einstein passou seus últimos 22 anos de vida e onde cientistas se reuniram em novembro para rever um século de gravidade e assistir a apresentações de Brian Greene, físico da Universidade Columbia e organizador do Festival Mundial de Ciência, e do violinista Joshua Bell.

Parece que até a natureza está contribuindo para os festejos. Na primavera passada astrônomos anunciaram a descoberta de uma "cruz de Einstein", em que a gravidade de um grupo distante de galáxias dividiu a luz de uma supernova mais distante em raios distintos nos quais telescópios puderam assistir à estrela explodindo repetidas vezes, numa versão cósmica do filme "Feitiço do Tempo".

Ninguém teria se surpreendido mais com tudo isso que o próprio Einstein. O espaço-tempo que ele trouxe à tona mostrou ser muito mais instável do que ele imaginou em 1907.

Foi nesse ano –possivelmente ao inclinar-se demais para trás em sua cadeira no escritório de patentes de Berna, na Suíça– que ele tinha tido a revelação de que um corpo em queda se sentia sem peso. Esse insight o levou a procurar estender sua nova teoria da relatividade dos trens para o universo.

De acordo com essa teoria fundamental, hoje conhecida como relatividade especial, as leis da física não se importam com a velocidade em que você está indo –as leis da física e a velocidade da luz são as mesmas. Einstein considerou que as leis da física devem ser iguais, não importa como você esteja se movendo –caindo, girando, tombando ou sendo pressionado contra o assento de um carro em aceleração.

Uma consequência disso, Einstein percebeu em pouco tempo, foi que em um campo gravitacional até os raios de luz se dobrariam para baixo e o tempo se desaceleraria. A gravidade não era uma força transmitida através do espaço-tempo, como o magnetismo –era a própria geometria daquele espaço-tempo que conservava os planetas em suas órbitas e as maçãs caindo.

Seriam necessários mais oito anos difíceis para Einstein calcular exatamente como funcionaria esse espaço-tempo elástico. Durante esses anos ele se mudou de Berna a Praga, depois para Zurique e em seguida para um cargo prestigioso em Berlim.

Em 1913, ele e seu antigo colega de classe Marcel Grossmann publicaram com grande fanfarra um esboço de uma teoria da gravidade que era menos relativa do que eles esperavam. Mas ela previa que a luz se dobra, e o astrônomo Erwin Freundlich, do Observatório de Berlim, partiu para medir a deflexão da luz das estrelas durante um eclipse solar na Crimeia.

Quando a Primeira Guerra Mundial começou, Freundlich e outros membros de sua expedição foram presos como espiões. Então Einstein descobriu um erro em seus cálculos.

"Um teórico pode perder o rumo de duas maneiras", ele escreveu ao físico Hendrik Lorentz. "1) O diabo o puxa pelo nariz com uma hipótese falsa (isso o torna digno de pena). 2) Seus argumentos são errôneos e ridículos (por isso ele merece ser espancado)."

E assim foram criadas as condições para uma série de palestras para a Academia Prussiana que seriam a contagem regressiva final no esforço de Einstein para entender a gravidade.

UM AVANÇO IMPORTANTE

Na metade do mês, Einstein usou a teoria emergente para calcular uma anomalia enigmática no movimento de Mercúrio: sua órbita ovalada muda em 43 segundos de arco por século. A resposta foi totalmente precisa, e Einstein sentiu palpitações cardíacas.

A equação que Einstein pôs no papel uma semana depois foi idêntica à que ele havia escrito em seu caderno dois anos antes, mas abandonado.

De um lado do sinal de igual estava a distribuição da matéria e energia no espaço. Do outro estava a geometria do espaço, a chamada métrica, que era uma receita de como computar a distância entre dois pontos.

Na descrição feita posteriormente pelo físico John Wheeler, de Princeton, "o espaço-tempo diz à matéria como se mover; a matéria diz ao espaço-tempo como se curvar". Fácil de dizer, mas difícil de computar. As estrelas podiam ser atrizes em um palco, mas, cada vez que se moviam, o palco inteiro se rearranjava.

Não demorou para Einstein receber sua primeira contestação.

Em dezembro de 1915 ele recebeu um telegrama de Schwarzschild, astrofísico alemão que estava combatendo na guerra e tinha resolvido a equação de Einstein para descrever o campo gravitacional em volta de uma estrela solitária.

Um aspecto estranho de seu trabalho era que a determinada distância da estrela –distância que ficaria conhecida para sempre como o raio de Schwarzschild–, as equações deixavam de ser válidas.

"Se esse resultado fosse real, seria um verdadeiro desastre", disse Einstein. Esse foi o início dos buracos negros.

O próprio fato de suas equações poderem ser resolvidas para uma estrela única deixava Einstein perplexo. Um de seus nortes tinha sido o físico e filósofo austríaco Ernst Mach, que lhe ensinara que tudo no universo é relativo. Na interpretação de Einstein, o Princípio de Mach, como ele o chamava, significava que seria impossível resolver suas equações para o caso de um objeto solitário.

"Podemos expressar isso como uma piada", ele disse a Schwarzschild. "Se todas as coisas desaparecessem do mundo, então, segundo Newton, o espaço inerte de Galileu permaneceria. Pela minha concepção, porém, não resta nada."

No entanto, ali estava uma estrela, segundo suas equações, dobrando o espaço sozinha -um pequeno universo em uma casca de noz.

DESENHANDO UM UNIVERSO

Como a maioria de seus colegas da época, Einstein considerava que o universo era composto de uma nuvem de estrelas, a Via Láctea, cercada por espaço imenso. O que havia mais além? O universo era infinito? Se sim, o que impedia uma estrela de deslocar-se para tão longe que não teria nada com que se relacionar?

Para evitar esses problemas, Einstein se propôs em 1917 a desenhar um universo sem limites. Em seu modelo, o espaço se dobra para encontrar-se com ele mesmo outra vez, como a lateral de uma lata cilíndrica.

Ele confidenciou a um amigo: "Cometi outra sugestão relativa à gravitação que me expõe ao perigo de ser internado no manicômio".

Isso eliminava a necessidade de limites problemáticos. Mas esse universo era instável, e o cilindro desabaria se alguma coisa não mantivesse seus lados separados.

Aquele algo foi um parâmetro arbitrário acrescentado às equações, algo que Einstein chamou de constante cosmológica. Fisicamente, esse novo termo, denotado pela letra grega lambda, representava uma força repulsiva de longo alcance.

O resultado feliz, pensou Einstein, era um universo estático do tipo em que quase todos acreditavam viver e no qual a geometria era estritamente determinada pela matéria.

Mas o resultado não se manteve por muito tempo. O astrônomo holandês Willem de Sitter apresentou sua própria solução, descrevendo um universo que não tinha matéria e estava se expandindo.

"Seria insatisfatório, em minha opinião, se um universo sem matéria fosse possível", Einstein resmungou.

E então Edwin Hubble descobriu que o universo realmente estava se expandindo.

Se a constante cosmológica não pudesse manter o universo parado, então esqueçamos dela e do Princípio de Mach, disse Einstein. "Ela data do tempo em que se pensava que os 'corpos ponderáveis' eram as únicas entidades físicas reais", ele escreveria mais tarde ao cosmólogo britânico Felix Pirani.

Mas era tarde demais. Em pouco tempo a mecânica quântica dotou o espaço vazio de energia. Em 1998, astrônomos descobriram que matéria escura, agindo exatamente como a constante cosmológica, parece estar fazendo o espaço-tempo se expandir e separar, exatamente como no universo de De Sitter.

Na realidade, a maioria dos cosmólogos hoje concorda que nem todo o movimento é relativo e que o espaço-tempo tem, sim, uma existência independente da matéria, embora seja tudo menos estático e absoluto. O melhor exemplo são as ondas gravitacionais, ondas de compressão e esticamento que se movem pelo espaço vazio à velocidade da luz.

Einstein mudou várias vezes de opinião com relação a isso. Em 1916 ele disse a Schwarzschild que as ondas gravitacionais não existiam. Depois, publicou um artigo dizendo que existiam. Em 1936, ele e seu assistente voltaram a mudar de posição.

Ninguém disse que isso seria fácil, nem mesmo para Einstein.

Ele se propôs a fazer uma coisa: relativizar todo o movimento, disse Michel Janssen, historiador da ciência na Universidade de Minnesota, em um encontro em Princeton este mês. Não conseguiu, mas, nesse processo, conseguiu fazer algo muito interessante, unificando os efeitos da aceleração e da gravidade.
A história demonstra, disse Janssen, que Bob Dylan teve razão quando cantou que "não existe sucesso como o fracasso", mas se enganou quando cantou que "o fracasso é não ter sucesso algum".

O maior sucesso de Einstein se deu em 1919, quando Arthur Eddington realizou o experimento que Freundlich havia se proposto a fazer e verificou que as luzes no céu ficam distorcidas em um eclipse, dobradas pela gravidade escura do Sol, exatamente como Einstein havia previsto.

Perguntado sobre o que teria feito se a relatividade geral tivesse sido desmentida, Einstein respondeu: "Eu teria tido pena do bom Senhor. A teoria é correta."

E Einstein ainda é o campeão.

Tradução de CLARA ALLAIN


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