Folha de S. Paulo


Responsável por aquecer águas e bagunçar clima, El Niño está forte como nunca

No Norte e no Nordeste do Brasil, seca; no Sul, chuva. Já no Sudeste, não dá para ter certeza de nada. O El Niño vem com tudo neste ano e concorre para ser o mais forte já registrado, e seus efeitos devem ser sentidos ao menos até o outono.

Climatologistas apelidaram esse El Niño de Godzilla, por seu potencial de esculhambar o clima "médio" global, embora os pesquisadores tenham muitas dúvidas sobre o que exatamente vai acontecer.

ENTENDA COMO FUNCIONA O EL NIÑO

O aquecimento do mundo nos últimos 40 anos - Diferença de temperatura anual em relação à média do século 20, em ÚC

O que se pode dizer é que, no Sul, as precipitações intensas e frequentes encharcam a terra, fazendo com que qualquer chuvinha se transforme em uma enxurrada, varrendo os nutrientes dos solos e até as mudas –prejudicando a economia e o abastecimento de comida na região.

Também há riscos ambientais, especialmente para espécies ameaçadas, diz o engenheiro florestal da Fundação Grupo Boticário André Ferreti. Com as inundações, espécies como o bicudinho-do-brejo, que faz seu ninho próximo às margens de riachos, podem ser arrastadas.

MESES MAIS QUENTES - Diferença em relação à média do século 20, em CÚ

2015 está acima da média dos anos mais quentes - Diferença em relação à média do século 20, em CÚ

O climatologista da USP Tercio Ambrizzi conta que só nos próximos meses poderemos ter certeza de qual será o jeitão deste El Niño –ao mesmo tempo em que ele ocorre.

Quanto ao Sudeste, para Ambrizzi, se o fenômeno se consolidar como está, reservatórios como o sistema Cantareira podem se beneficiar um pouco da precipitação.

"Havia uma certa duvida da chegada da estação chuvosa. Atrasou quase duas semanas, mas chegou", afirma. A dúvida é saber se essa linha de transição entre os efeitos úmidos do Sul e secos mais ao norte vai permanecer no lugar.

Já os reservatórios de Minas Gerais, como Sobradinho, tendem a pegar carona na seca norte-nordestina.

DÚVIDAS

É difícil fazer previsões muito mais precisas do que isso, porém. Os especialistas estão muito longe de um consenso.

A professora e climatologista da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Alice Grimm também aposta que o El Niño significará mais água na torneira do paulista.

Para o professor da USP e membro do IPCC (Painel Internacional de Mudanças Climáticas) Paulo Artaxo, porém, é melhor não dar nenhum palpite: "Sob hipótese alguma podemos fazer previsões sobre a precipitação no Cantareira –as ciências climáticas ainda não permitem isso."

"Nós, climatologistas, temos de assumir nosso grau de ignorância. Afinal, não dá para saber tudo em ciência. Talvez conheçamos apenas 20% do complexo do sistema climático terrestre."

Uma das explicações para a dificuldade de entender o El Niño é a própria variabilidade do fenômeno. Existem dois tipos de El Niño: os "de leste" e os de "centro", de acordo com a região do Pacífico onde ocorrem as maiores anomalias na temperatura das águas. Para piorar, o evento deste ano é "misto", ou seja, apresentam anomalias espalhadas por uma longa extensão.

Já foram registradas regiões com anomalias maiores que 2,5°C. Em alguns locais o aumento chega a 5°C.

AQUECIMENTO GLOBAL

Qual a relação disso com o aquecimento global? Para variar, os cientistas não têm uma resposta única.

Para Artaxo, é nítido que há uma mudança climática, mas ainda é inadequado atribuir qualquer anomalia climática a ela ou ao El Niño.

Ele afirma que a própria série história, que em tese poderia servir como referência para que os cientistas entendessem melhor os fenômenos climáticos, já não é mais tão útil.

"Não dá para comparar as chuvas de hoje na Amazônia com uma série histórica do começo do século 20. Mudou tanto onde e quanto chove..."

Temperatura do oceano no El Niño 2015

Para Ambrizzi, no entanto, pode não ser só coincidência que os três últimos El Niños fortes tenham ocorrido nas últimas três décadas, justamente enquanto o planeta bate recordes de temperatura.

Ainda não se sabe muito bem por que o El Niño acontece. O fato é que tais aquecimentos anormais das águas do Pacífico são periódicos –se repetem a cada três ou quatro anos, na média– e que eventos fortes são raros.

Quando ocorre um El Niño extremo, porém, há enfraquecimento dos ventos que sopram de leste para oeste –chamados de ventos alísios. Isso altera sobremaneira o padrão de transporte de umidade, alterando a distribuição de chuvas desde regiões tropicais até latitudes mais altas.

O último grande El Niño aconteceu entre 1997 e 1998. Os efeitos foram vistos no mundo todo, de calor intenso nos EUA e no Japão até seca e incêndios florestais na Indonésia. O Quênia sofreu alagamentos, e Equador e Peru também tiveram aumento de precipitação.

Efeitos climáticos do El Nino no mundo


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