Folha de S. Paulo


Caminhão que dispensa motorista é testado no interior de São Paulo

"Boa viagem!", diz a voz feminina, não muito diferente das que costumam dar instruções sobre o caminho a seguir num GPS convencional.

"Obstáculo detectado!", informa a "moça". Diligentemente, o caminhão de nove toneladas dá a partida ou breca com suavidade –sem nenhuma intervenção humana.

Dar um passeio a bordo da máquina, criada por uma parceria entre pesquisadores da USP de São Carlos e a Scania, é uma experiência esquisita, mas aparentemente segura.

O objetivo dos especialistas é desenvolver um caminhão autônomo comercialmente viável, que aumente a segurança e a confiabilidade do transporte de cargas. O projeto consumiu R$ 1,2 milhão.

Não é a primeira vez que Denis Wolf e seus colegas do ICMC (Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação) criam veículos robóticos –antes do caminhão, o grupo da USP havia projetado um carro de passeio autônomo.

Clique na infografia: Caminhão-robô

A experiência ajudou os pesquisadores a criar modelos matemáticos mais sofisticados para controlar o modelo da Scania, cujo tamanho avantajado foi um desafio, afirma Wolf.

"Além disso, no caso do caminhão nós priorizamos a viabilidade comercial, o que nos levou a pensar num conjunto de sensores com custo relativamente baixo", explica ele.

De fato, as configurações dos sensores são quase espartanas: o caminhão é equipado com um radar, um GPS de alta precisão e três câmeras que lhe conferem uma "visão" semelhante à humana.

"A vantagem do radar é que ele funciona bem à noite, com chuva forte e com neblina", enumera Wolf.

O grosso do trabalho de navegação inteligente é feito pelo computador de bordo do veículo, que usa os dados do GPS para traçar uma espécie de trilho virtual pelo qual o caminhão anda.

Programado para manter uma distância fixa dos veículos que estão à sua frente, o caminhão não corre perigo de trombar caso eles diminuam a velocidade. Também seria possível mapear diferentes faixas da estrada para fazer transições em momentos de tráfego carregado, de acordo com o pesquisador da USP.

Por enquanto, os testes estão sendo feitos no campus da universidade –a cautelosas velocidades em torno dos 20 km/h.

DILEMAS NA ESQUINA

O investimento da Scania no projeto da USP se justifica porque os veículos autônomos estão cada vez mais próximos de invadir as ruas.

Testes de automóveis sem motoristas em vias públicas já foram liberados em países como o Reino Unido, a França e a Suíça –sem falar no próprio Brasil, onde a equipe do professor Wolf colocou seu modelo de carro de passeio com controle robótico para circular por algumas ruas de São Carlos, em condições controladas.

Ainda nesta década, empresas como a Mercedes planejam disponibilizar sistemas que tornariam o motorista humano uma "peça" supérflua. Uma pesquisa de opinião feita pela empresa Cisco Systems em 2013, ouvindo 1.500 pessoas em diversos países, mostrou que quase 60% dos entrevistados estariam dispostos a andar num veículo desse tipo –entre os brasileiros, esse índice ultrapassou os 90%.

QUESTÕES ÉTICAS

Apesar do otimismo dos pesquisados, ainda há obstáculos bastante consideráveis para que os motoristas se tornem uma espécie extinta.

O mais óbvio é regulatório: ainda é preciso definir, em quase todos os países, quem deve ser responsabilizado caso um veículo automatizado cause danos ou machuque pessoas, por exemplo.

O dilema mais complexo, no entanto, é de natureza ética.

Digamos que, numa situação desastrosa na estrada, um condutor humano precisa escolher entre bater na traseira de outro caminhão ou invadir o pátio de uma escola rural cheia de crianças.

Pessoas normais são capazes de discernir qual é o menor dos males em casos como esse, mas garantir que um computador faça o mesmo exigiria o desenvolvimento de um "aplicativo ético" extremamente sofisticado.

Por enquanto, embora o caminhão são-carlense esteja sendo projetado para atuar de forma autônoma, é mais viável e interessante pensar num modelo híbrido, no qual humanos e computadores atuem juntos, afirma Denis Wolf, professor de ciência da computação na USP.

"Numa estrada tranquila, por exemplo, o motorista pode aproveitar para descansar, ler um livro ou acessar o email. Ao se aproximar de uma cidade, com um trânsito mais complexo, ele assumiria o controle."

Nos Estados Unidos, carros autônomos estão sendo testados há anos –e se envolveram em alguns acidentes, embora os criadores aleguem que qualquer veículo está sujeito a pequenas batidas no trânsito.


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