Folha de S. Paulo


Pererecas usam cabeçadas para envenenar inimigos

Laboratório de Biologia Celular/Instituto Butantan
Perereca-de-capacete da caatinga brasileira, que tem crânio e corpo repleto de espinhos venenosos
Perereca-de-capacete da caatinga brasileira, que tem crânio e corpo repleto de espinhos venenosos

Na cabeça delas não quase não há pele, mas sim espinhos capazes de injetar veneno nos predadores.

Trata-se de uma descoberta importante, pois faz com que duas espécies nacionais, conhecidas como pererecas-de-capacete, devam mudar de categoria: de animais venenosos para peçonhentos.

O trabalho, já aceito para publicação na revista "Current Biology", é uma parceria entre o Instituto Butantan e a Universidade de Utah.

Venenosos são aqueles organismos –como taturana, sapos, algumas plantas e o baiacu– que produzem veneno mas não têm um mecanismo capaz de injetá-lo.

Já os organismos peçonhentos –como aranha armadeira, jararaca, arraias e água-viva– têm essa capacidade para agredir quem incomoda.

Os animais do primeiro grupo têm a chamada defesa passiva. O segundo grupo, ativa.

Até então, as pererecas teriam defesa passiva porque, como os sapos, apresentam glândulas de veneno na pele, que só com um evento físico (como uma mordida) afetavam o predador.

A mudança de categoria das pererecas-de-capacete veio de uma experiência bastante real, sofrida pelo biólogo Carlos Jared, pesquisador do Instituto Butantan e um dos autores do estudo (veja depoimento abaixo).

Além das cabeçadas, os animais têm também uma outra defesa, passiva: um muco secretado que, em contato com a mucosa de predadores, faz com que eles vomitem.

Pererecas venenosas

QUEM É QUEM

As espécies –Corythomantis greeningi e Aparasphenodon brunoi– foram descritas há mais de um século, mas até então o comportamento de dar cabeçadas não havia sido documentado.

Editoria de Arte/Folhapress
defesa passiva ou ativa

A flexibilidade dos bichos é descomunal: mesmo com o corpo imobilizado, conseguem mexer o pescoço em grandes amplitudes, permitindo golpes venenosos.

As cabeças são úteis tanto para defesa quanto para evitar perda de umidade. A C. greeningi (da caatinga, também conhecida como jia-de-parede) se esconde em buracos em troncos de árvores e entre pedras, deixando só a cabeça para fora. As cabeçonas vedam os buracos, mantendo os bicho hidratados.

As A. brunoi são da mata atlântica e tem aparência menos enrugada que os animais da caatinga; seu veneno é 25 vezes mais potente que o da jararaca (o da C. greeningi é só duas vezes mais potente).

"Esse estudo, entre outras coisas, serve para o público e os biologistas perceberem que pererecas nem sempre são tão gentis quanto pensamos", diz Edmund Brodie, pesquisador da Universidade de Utah.

*

Veja depoimento de Carlos Jared, que foi envenenado:

"Desde 1987 vou à caatinga, e a perereca foi o primeiro bicho que eu estudei lá.

Uma vez, fazia anos que não chovia. E choveu. Era uma explosão de bichos para todo lado, a gente coletou um monte. Quando pegava, via que elas mexiam a cabeça e, de repente, me deu uma dor incrível no braço, que durou cinco horas. É o que dá catar perereca com pressa.

Outra vez, não fui atacado, mas tive contato com o muco. De novo, que dor. Imagina o que um bicho desses faz com a mucosa da boca de quem o morde..."


Endereço da página:

Links no texto: